exta-feira, 12 de dezembro de 2008
W49 - MADALENA - "LECAS"
TÃO VIVA NA NOSSA MEMÓRIA
A Madalena nasceu em 12 de Dezembro de 1943, em Gondomar, na "Vila Maria", no quarto azul , do primeiro andar - um quarto tranquilo e relativamente pequeno, com vista para o pomar, o mesmo, que, anos antes, a Tia Lina escolhera para a chegada do Mário. Era o preferido, no tempo frio. O Tónio e eu, no verão, tivemos direito a vir ao mundo no chamado quarto grande -grande mesmo, com quatro janelas, duas a norte e duas a nascente. A Madalena era um bebé formosissimo, grande e gordinho.Foi sempre uma criança bonita, loirinha e de olhos azuis, muito claros. O Nestó era mais velho apenas um mês e eu, dezoito meses. (o que me permitia uma postura de comandante, visível, sem necessidade de legenda, em muitas fotografias de época). Crescemos juntos, nos tempos e nos espaços de uma infância feliz: a década de 40, em Gondomar, Espinho, Avintes. Uma das facetas curiosas da minha irmã era a de resistir, surpreendentemente, em situações de guerra aberta, naqueles muitos conflitos em que se envolvem crianças. A uma bofetada, encontrão ou rasteira, respondia em força - e tinha igual força... Só que, depois chorava, e eu fica va imperturbável. Consequência: era sempre castigada, como se tivesse todas as culpas...
Olhando essa fase das nossas vidas, tenho de dizer que o progresso da Lecas- como lhe chamávamos - daí em diante, foi muito mais interessante do que o meu. Após um começo promissor, a andar e a falar antes dos 10 meses, e por aí fora, comecei a perder qualidades e ainda não parei mais de regredir. Ela, pelo contrário, floresceu em graça, em beleza e em boa disposição, à medida que avançou na idade! Era uma criança frequentemente rabugenta, que mal saía fora de portas, para um evento social - cinema, circo, passeio pelas ruas do Porto, chá na Villares, ida de carro à Foz... - queria logo voltar a casa. Queixava-se dos sapatos, que a magoavam, de dores nas pernas, de fadiga, sono, sede, fome... Terrível! Nas fotos, punha, muitas vezes, a cara correspondente a esses estados de alma. Até no retrato da comunhão solene se vê que estava farta do fotógrafo. Em adolescente, porém, já era o centro de toda e qualquer festa: dançava maravilhosamente, do rock à valsa - e nunca se cansava... - cantava, com uma voz assombrosa, era sociável, risonha, divertida! E cada vez mais bonita... Passear com ela nas ruas do Porto, quando tinha 18 anos, era uma sensação, semelhante á de acompanhar uma celebridade. Algumas pessoas paravam para ver melhor, os rapazes dirigiam-lhe aqueles "piropos" indesejados, A um deu a Lecas, perto da Praça da Batalha, uma bofetada sonora e tão certeira, que lhe partiu os óculos e ele ainda acabou a pedir-lhe desculpa ... Ninguém diria que era doente. Teve uma hepatite, aos 10 anos, foi tratada pelos melhores especialistas do Porto. Recuperou, aparentemente, mas a hepatite degenerou em cirrose. Adveio, ainda, uma leucemia. . Não sabia eu, nem, felizmente,ela o que verdadeiramente tinha... Ninguém viveu a vida com mais gosto, com mais serenidade. Intensamente! Esperávamos sempre que melhorasse! A alegria, o aspecto radioso da Madalena pareciam uma garantia de sobrevivência. As pessoas sabiam que uma de nós tinha problemas de saúde, e achavam sempre que era eu - mais pálida e mortiça. Apesar de ser eu a fanática do desporto, quem tinha mais talento natural para qualquer modalidade era ela. Estou a vê-la a "bolar", esplendidamente, nos jogos de voleibol, no colégio ou a patinar, vertiginosamente, mal pôs uns patins nos pés. Deu grandes quedas, mas aprendeu em tempo "record". Também caiu do cavalo, na primeira experiência equestre, ao lado do Nestó, na mina da Bica, e isso não a fez desistir. No mar de Espinho, saltava às ondas, bravamente. Moderníssima, sempre bem vestida, sempre elegante. Mantinha à distância uma longa fila de pretendentes... Namorados, apenas dois: O Zé, que era um homem muito alto e bonito, de quem ela gostou imenso, e o Manel Valle, com quem o entendimento nunva foi tão perfeito. A ruptura com ele, em 1962 ou 63, foi definitiva e amarga. Não teve tempo para recuperar daquele último e infeliz romance. A maior confidente era a Maria do Carmo. Razzini. Iam ao cinema juntas, aos cafés, passavam tardes na conversa, como se fossem da mesma idade. Eu estava a estudar em Coimbra, foram tempos em que convivemos menos. A Xaninha, a Meira contavam-se entre as suas amigas. Adorava os meninos, os filhos delas e do Tónio e do Mário - os primos mais próximos, com o Nestó, Docas e Xana. A Docas foi a única que pressentiu a degradação da sua saúde, e veio passar férias com ela, em Outubro. Dias felizes. Há muitas fotos da visita e são as últimas da Madalena! Psicologicamente era fortíssima, imune a depressões, abatimentos, ou tristezas. No último verão, deu um passeio esplêndido com a Tia Lena e Tio David. Fizeram férias junto ao mar, no País Basco (em Cestona?). Nada nos preparou para o que viria a acontecer a 3 de Novembro de 1964.
O seu desaparecimento foi uma tragédia, um choque de que nunca mais recuperamos, em especial, a Mãe
. Fica a imagem do seu rosto jovem e bonito, que nunca envelheceu .Do seu sorriso. Da sua esperança no futuro, até ao fim. Seríamos, agora, duas sexagenárias a passear em Espinho, à beira mar, a tomar o cházinho nas esplanadas, a ir ao cinema, e às lojas do Porto. Talvez, rodeada de filhos e netos.... A Madalena faria hoje 65 anos.
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