segunda-feira, 11 de agosto de 2025

CONVERSAS SOLTAS COM HERNÂNI 9 de março de 2018 O que sempre mais me encantou em décadas de trabalho com expatriados, foi ver o que esse trajeto lhes acrescentou e não só, nem principalmente no aspeto material! Não me surpreende o "sexismo" das sociedades nórdicas quando comparadas com as mediterrânicas. Somos, de facto, bem mais abertos à ideia da igualdade do que eles. O que lhes vale é o esforço político e jurídico de várias décadas. Mesmo assim, como nota, nem sempre conseguem os resultados que nós alcançamos com naturalidade. Eu apenas vivi dois anos em Paris, na cidade universitária, com uma bolsa da Gulbenkian. Em termos académicos foi pouco proveitoso, cheguei lá em novembro de 69 e o estado do ensino universitário era caótico… Andei por Nanterre, por Vincennes, pela École Pratique des Hautes Études, e acabei por fazer a pós graduação na Católica, que era o último reduto de organização (burguesa embora — professores e estudantes até usavam gravata, então muito mal vista nos meios intelectuais). Costumo dizer que a única coisa de que me arrependo na vida é de ter recusado, nesse ano, uma bolsa para os EUA (Northwestern, Illinois, para preparar uma tese em sociologia do direito), por ter sido atraída pela vaga de agitação que imperava em França. Academicamente falando, grande erro! Humanamente não — foi muito bom, graças aos amigos que ganhei, portugueses e, depois, no segundo ano, também argentinos (fui "exilada" para a Casa da Argentina, tal como muitos dos que formavam o meu grupo de amigos, considerados "católicos progressistas" pelo diretor da Casa de Portugal). Não perdi nada, os argentinos eram gente muito mais festiva do que nós! A "Cité" tinha, porém, poucos franceses. Foi bem menor o convívio próximo com eles. Por isso, parafraseando António Vitorino de Almeida, que diz "Viena é a minha cidade, mas a Áustria não é o meu país", eu posso bem afirmar que "Paris é a minha cidade, mas a França não é o meu país. O Brasil, sim! Lá, em inúmeras, embora brevíssimas visitas, senti-me sempre "brasileira". Lamento imenso a crise que o país atravessa, a insegurança, a corrupção. Por graça, eles dizem que o Brasil está à beira do abismo, mas não cai porque é maior que o abismo. Espero que assim seja… Agrada-me que os brasileiros venham viver para cá, agora que o seu país se tornou tão problemático. Eles acolheram de braços abertos todos os refugiados portugueses de África, em 1974-75 — um facto largamente ignorado pela opinião pública e até pelos nossos políticos. Pude testemunhar isso, nos anos oitenta — as histórias desses portugueses eram ainda recentes. Nem todos se adaptaram, é certo, mas foram acolhidos sem restrições burocráticas. 10 de março de 2018 Acho que em qualquer domínio é normalmente bem mais fácil sermos reconhecidos no estrangeiro. Também me senti sempre melhor aceite lá fora, por exemplo, em missões no Conselho da Europa ou da União Europeia Ocidental do que no nosso parlamento. Só consegui manter-me mais de 20 anos, ininterruptamente, na Assembleia da Repúnlica, porque estive cerca de 14 anos na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e fui eleita, a maior parte das vezes, pelo círculo da emigração "Fora da Europa" (ou seja, com passaporte para "fora de São Bento"…). No Conselho da Europa, curiosamente, os meus melhores aliados eram ingleses. Faziam questão em me propor para os mais inesperados lugares e responsabilidades. O amigo que recordo com mais saudades era britânico, mas da Escócia. Russel Johnston, primeiro "Sir" e depois "Lord", inalteravelmente excêntrico, com um sentido de humor maravilhoso. Apesar disso, conseguiu ser presidente do Grupo Liberal, e, depois, da Assembleia Parlamentar, com um brilho inexcedível, Grande orador, um humanista, homem cultíssimo — e divertidíssimo — melómano. Com ele, os jantares do Grupo Liberal eram sempre memoráveis, uma festa, com boa conversa e boa música! Com quaisquer outros, eram uma maçada, que suportava sempre a olhar para o relógio… [… ] No continente americano, os únicos países onde nos sentimos na Europa são o Canadá, a norte, e a Argentina, a sul! (vou a Montreal, por uns dias no fim deste mês, a convite da comunidade portuguesa). Os franceses, como os americanos, são gente de extremos, embora não no mesmo sentido. O pior nos EUA é a infantilidade e a ignorância de uma enorme massa humana (em que incluo todos os que votam Trump); na França, com epicentro em Paris, é a arrogância e falta de educação. Só há um remédio: responder-lhes na mesma moeda, com um máximo de agressividade verbal. Foi o remédio que usei, com sucesso, sobretudo nos anos de 68/70, quando estavam mais crispados do que agora. Sobre a "performance" nos tribunais! É um ambiente que mal conheço, apesar de ter escolhido Direito com a ideia de ser advogada de barra. Acabei em gabinetes e, seguidamente, no estranho círculo da política, muito contra vontade. Só mesmo o Doutor Mota Pinto (bom amigo, de quem cheguei a ser assistente, antes de deixar Coimbra, de vez) me levaria para um governo, com o argumento de que tinha de ser coerente e, se reclamava oportunidades para as mulheres na política, não poderia recusar a que me era oferecida, sob pena de não haver representação feminina naquele executivo. Era um governo anómalo, de independentes, nomeado pelo presidente Eanes. Depois, fui atraída pela personalidade de Sá Carneiro; acabei por aderir ao PSD — coisa que deveria ter evitado: Sá Carneiro morreu, Mota Pinto também, em 1985, e aquilo foi de mal a pior… Por lá fui ficando, com muitas idas a Estrasburgo e Paris e ao mundo da emigração, nos cinco continentes… Em movimento já somos, pelo menos, dois, nesta família alargada, Todavia, a minha paixão é mesmo o Direito, Direito Civil, a cadeira que dei, em substituição de Rui Alarcão, quando se tornou diretor da Faculdade, a caminho da reitoria. Segundo o Padre Manuel Leão, que foi meu "diretor espiritual" (como se dizia nos meus tempos do colégio do Sardão), homem invulgarmente inteligente, anglófilo, estudioso e professor de literatura, e, igualmente, bom gestor da fortuna da sua família e de várias instituições, que criou; não é preciso ser jurista para encontrar as soluções consagradas na lei — basta usar bom senso. A suprema ambição do legislador deve ser, de facto, conciliar os interesses em presença e fazer justiça, não é verdade? 11 de março de 2018 Conheci bem Pintasilgo, Teresa Santa Clara e Manuela Silva, em reuniões do Graal, em Coimbra, no início de 60. Eu nunca pertenci a organizações dessas, mas era convidada, como feminista militante — na altura achava-as muito inteligentes, mas um bocadinho conservadoras… Depois, vi-as em posições à minha esquerda. A revolução teve destas coisas. Também acho que Pintasilgo era uma mulher extraordinário e naqueles cinco meses bateu recordes de legislação — algumas iniciativas, para além de corajosas, muito acertadas. Tive mais contacto (e imensa admiração) pela Teresa, que era a n.º 1 do Graal (sendo Pintasilgo, a n.º 2) e foi deputada independente pelo PS. Não lhe deram o relevo que merecia, era uma mulher muito superior aos colegas de bancada. Quanto a Soares, também houve alturas em que estiva de mal com ele, mas, depois, rendi-me definitivamente e estive, convictamente, na sua última campanha presidencial, que perdeu. Nunca esperei que ganhasse, este povo não sabe aproveitar os mais velhos. Perdeu o país — Cavaco, como era previsível, foi péssimo! A minha história com Eanes é muito engraçada. Sei o minuto exato em que ambos nos vimos a outra luz e em que as nossas relações passaram de 8 para 80. É, hoje, sem dúvida, a grande referência ética da nossa democracia! Um dia apresentei-lhe o meu pai (numa festa no antigo estádio das Antas) e ele disse-lhe, de imediato: "Gosto da sua filha. É das poucas pessoas que anda na política para trabalhar". O meu pai ficou surpreendido e passou a ser "eanista"… Com Jorge Sampaio e Maria José Ritta tive sempre um relacionamento perfeito! E A Drª Maria Barroso foi a mais querida das amigas. Recordo com imensa saudade a ultima vez que estive a jantar com os dois, na casa do Campo Grande. Foi 3 ou 4 meses antes do falecimento da Drª Maria Barroso e o Dr. Soares, muito bem disposto, contou histórias hilariantes da sua juventude. Como contador de histórias era incomparável! O melhor da passagem pela política foi ter convivido com todos eles. Com Marcelo, que também conheço há muitos anos, não tenho afinidades especiais. Dou-me melhor com o irmão Pedro, que acho mais simpático e muito mais divertido. [… ] Gostei do concerto brasileiro, tão bom quanto barulhento, mas acho que tem razão: um concerto de piano teria sido melhor. Há pouco perdi o dueto Burmester/Laginha, na Casa da Música. O único pianista de quem sou amiga (e fã) é o Maestro António Vitorino de Almeida, que consegue ser ainda mais divertido do que Soares… Tive a sorte de o conhecer e aliciar para uns concertos em Espinho, num curto período em que fui vereadora da Cultura. Não consegui aturar esta nova geração de tontos, perdi a paciência e saí da Câmara. Para fazer de conta que tudo correra bem, deram-me a medalha da cidade na despedida. Um disparate — aceitei para não dar escândalo. 12 de março de 2018 Extraordinário como coincidimos nos julgamentos dos políticos!!! Assim, no CDS, também eu tinha a maior estima e apreço pela Maria José Nogueira Pinto — mulher bonita, inteligente, bem educada, civilizada, o que falta a quase todos os políticos de agora… E tenho má impressão da Cristas, que pertence a esta nova gama de populistas. Irrita-me imenso. Que falta de maneiras, proclamar "eu sou melhor do que o Rio"… Não sei se é, de qualquer modo não pode ser ela a dizê-lo. Com tanto "capanga" no partido, bem poderia ter usado um para passar essa mensagem. Lembrou-me o Cristiano Ronaldo, quando interveio numa polémica estúpida sobre quem era mais bonito, o Kaká ou ele, para opinar que o mais bonito era ele. Um horror! (eu, embora ache que a beleza dos jogadores é coisa de ínfimo relevo, sempre votaria no Kaká, que tinha muito bom aspeto). Prende-se com Sá Carneiro, a sua luta inglória na Assembleia Nacional, os famosos "Vistos" do Expresso", muito cortados pela censura, e a afirmação clara de que era "social-democrata à sueca", a minha opção pelo PPD. Acresce que estava a dar aulas na Faculdade de Direito, desde um dia antes do 24 de abril até 1976, e os meus melhores amigos, Mota Pinto, Barbosa de Melo, Figueiredo Dias e Pereira Coelho, insuspeitos democratas, eram fundadores do partido e os responsáveis pela redação do programa… À conversa com eles e com o meu primo José Joaquim Mesquita de Abreu Barbosa (filho do Tio-avô José Barbosa, o juiz conselheiro), que era comunista, passei todo o PREC. O Zé era Bibliotecário da Biblioteca da Universidade de Coimbra e, nesses anos, vivia com uma leitora de inglês da Faculdade de Letras, a Janice, de quem teve 3 filhos, além dos dois do 1.º casamento com a Maria da Luz Biscaia. Esse filho mais velho também era comunista; José Severo Biscaia Mesquita de Abreu Barbosa é aquele com quem mantenho contato (depois do Jose, pai, ter morrido em 1989). Também é bibliotecário. As filhas do primeiro casamento são mentes brilhantes — uma delas é investigadora, algures numa universidade inglesa. O Zé Severo, que é licenciado em História, também se interessa muito por genealogia. O meu círculo familiar de convívio constante é formado por gente tão conservadora, que, às vezes, até evito falar com eles de política. 12 de março de 2018 O meu curriculum académico limita-se a uma licenciatura numa (boa!) Faculdade de Direito e nuns vagos estudos de Sociologia do Direito em Paris. Muito me arrependo de ter desistido de uma bolsa de estudo americana para Northwestern, Illinois, que podia ter levado a minha vida para os caminhos académicos que o meu pai sonhava para mim e que eu também gostaria de ter seguido. O que mais gostei de fazer profissionalmente foi, por sinal, dar aulas, como assistente, na minha Faculdade em Coimbra e em Lisboa, na U Católica, e, depois, como docente convidada no mestrado de interculturalismo na Universidade Aberta. Tive um relacionamento esplêndido com os estudantes, sempre. Sou, também, muito "tu cá, tu lá", como se diz em linguagem popular. A maior parte das pessoas que conhece, todos os jovens da família me tratam por tu, ou por Manuela. Lembro-me, por exemplo da minha 1.ª visita ao Havai, a uma comunidade fantástica, que já não fala a língua, mas é portuguesíssima de alma e coração. Ao fim de umas horas, eu era Manuela para eles, mas todos; quando se referiam ao Mota Amaral, que lá tinha estado no ano anterior, diziam "Sua Excelência, o Dr. Mota Amaral" (coisa que muito me espantou… ainda por cima eu detesto essa excelência — faz mais o meu género o Alberto João Jardim, embora seja excessivo, de vários pontos de vista). Contudo, há comunidades que são mais formais do que as da América do Norte. É o caso da América do Sul, incluindo o Brasil, onde raros são os amigos que me tratam pelo nome próprio, sem o Dr.ª da praxe. De qualquer modo, não usam os títulos políticos, o que já é um avanço… Estou no PSD, porque, quando Sá Carneiro me convidou para a Secretaria de Estado da Emigração, sem ter sentido a menor pressão externa para isso, me deu um impulso de me inscrever. Não sabia, é evidente, como são os partidos por dentro. Não saí nunca, não sei porquê, porque, na verdade eu sou social-democrata à sueca e o partido já não é, nem quer ser. Um vez, num jantar com dezenas se portistas no Japão (quando o Futebol Clube do Porto ganhou a última Taça Intercontinental), o Dr. Pôncio Monteiro voltou-se para mim e declarou, alto e bom som, que não era militante, mas era simpatizante do PSD. Eu era a única deputada do PSD presente, todos os outros deputados e autarcas presentes — muitos! — eram socialistas. Estranhamente, ele repetiu a frase duas ou três vezes; à terceira, eu respondi, também alto e bom som: "Comigo acontece o contrário, sou militante, mas não sou simpatizante". Foi a maneira de o calar, mas, embora soasse apenas a trocadilho para espalhar a boa disposição, era mais verdade do que parecia… E é cada vez mais. Também eu detesto o Sócrates e gosto do Guterres, reconheço o fundo humanista comum ao PS, PSD e CDS e considero o PCP um partido arcaico. O carneirismo parlamentar, a disciplina partidária são aberrações democráticas, sem dúvida. Em muitos aspetos, ainda pesa na nossa vida não só a sombra do salazarismo, como, sobretudo, a sombra mais antiga da inquisição. O que hoje acontece no domínio da justiça é ainda pior do que se passa na política… Desde criança, aprendi que há boas pessoas em todos os quadrantes ideológicos. Numa família muito politizada, discutiam acaloradamente, mas nunca ninguém se zangou por isso, A guerra estava ainda próxima, uns eram anglófilos (os meus pais, os tios Aguiar, a avó Maria, mas não os tios Serafim e David — casado com a tia Madalena —, germanófilos e salazaristas fervorosos. Antes a divisão tinha sido entre monárquicos e republicanos, e, depois de 1974, a maioria é CDS ou PSD de direita. Socialista, militante do PS, só o Tio Manuel e os filhos, por influência paterna, sem grande militância. E havia o José Joaquim Mesquita de Abreu Barboza (filho do tio Avô José Barboza Ramos), que era do MDP-CDE — tinha sido do PCP, mas já não era. […] Da minha geração, na família, que eu saiba, só o Ernesto Fonseca, escreveu um livro, uma quase autobiografia, sobre a experiência da guerra colonial: "Por xanas do leste de Angola". Um livro interessante, um testemunho singular sobre essa guerra — fui a primeira a ler o texto, ainda dactilografado. De princípio, ele estava hesitante em o mostrar, por causa da abundância de palavrões. Tranquilizei-o, pois como adepta de futebol desde os meus 10 anos, estou imunizada aos excessos de linguagem vicentina, mesmo que não a use, pessoalmente… Sou uma colecionadora de policiais! Quando vou aos EUA ou Canadá, passo o tempo em livrarias e alfarrabistas, onde tenho descoberto preciosidades, como policiais do Gore Vidal, do Ellery Queen, do Earl Stanley Gardner, do Rex Stout; também tenho tudo o que a Vampiro publicou. E da Agatha Christie, naturalmente. O primeiro livro que li em inglês é dela — "The body in the library", oferecido por um casal inglês, que me contratou como "au pair", durante o verão de 1959 (ou 58?). Um verão esplêndido, tórrido, que passei em Brighton/Hove, a tomar conta de duas crianças, na praia!… Eu não tinha a competências para a tarefa, mas as meninas gostavam de mim, talvez pelo meu exotismo, em comparação com as profissionais suíças a que estavam habituadas, uma das quais fui substituir por dois meses. Boas recordações! 17 de março de 2018 Dei-me conta de que, na geração seguinte à minha, há muitos divórcios. Eu, neste grupo da família, fui pioneira. Uns anos depois, segui-se a Tia Glória. O meu ex-marido (Manuel Vitorino Domingues de Queiroz) era meu colega de curso. Rapaz simpático, velejador, cinéfilo, e, irremediavelmente, boémio e cábula. O curso dele deu-me mais trabalho do que o meu… Hoje, até ele reconhece que me deve a licenciatura — embora, depois do meu tempo de controlo, se tenha doutorado em Lund, onde esteve exilado, e se tenha tornado um distinto especialista de Direito Cooperativo e docente numa destas novas universidades de Lisboa, salvo erro, a Autónoma. Voltou a casar e tem dois filhos e alguns netos, que não conheço. Com ele mantenho relações de amizade, mais na qualidade de colega de Coimbra do que de ex-marido. O meu pai e os meus tios nunca o apreciaram muito, a minha mãe, sim, achava-lhe imensa graça. Eu costumo dizer que ele é o tipo de sonhador para quem 2 e 2 é igual a 5 ou 6… Quando me separei judicialmente em 1970 (o divórcio segui-se, quase automaticamente, logo depois da revolução de abril), o lado masculino da família rejubilou! O Tio Serafim, que era meu fã, como eu era dele (embora não politicamente falando, sendo ele da UN, o mais pró regime possível, e catolicíssimo) disse-me: "Acho que fizeste muito bem. Tens o meu acordo total. O que nunca te perdoaria é que o aceitasses de volta". Não houve esse problema. No tribunal, na audiência em que os pais dos cônjuges desavindos tinham de dar o "sim" (coisa medieval!!!), os meus, particularmente o Pai, estavam obviamente satisfeitos. Os meus sogros, não, até choravam. Na verdade, ter aquele filho "à solta" não era bom prognóstico de futuro. Saiu-se melhor do que o previsto, e, ao que parece, os filhos são gente de juízo, um arquiteto, outro economista. [… ] Quanto ao "tú cá, tu lá", em serviço, apresenta os seus riscos, mas, face aos governos, a subserviência nacional atenua os riscos. Os funcionários só atacam pelas costas, pela frente, com algumas exceções, curvam-se, em respeitosas vénias. Muito maior era a descontração em sucessivos gabinetes. A meu favor, tinha o facto de, em serviço, ter muito mau feitio e de ser muito impaciente. Tal como Mário Soares, era dada a fúrias pontuais, embora depressa passassem, sem deixar rasto… Na verdade, vivia em "stress" permanente, porque, em Portugal tudo se improvisa à última hora e, em regra, com um "happy end", o que, a meu ver, acaba por ser mau. Em vão eu bradava: "Prefiro o contrário, prefiro que se organizem, mesmo que, depois, alguma coisa falhe". Em qualquer caso, é incrível ter tido tantos colaboradores que sabiam lidar bem comigo (não todos…). Eu própria não gostaria de trabalhar comigo!!! Na família de Gondomar, com quem mais convivo, falamos sempre do "mau génio dos Barbosas". Gente de bem, graças a Deus, nada a dizer quanto a honorabilidade, mas temperamentais… É muito injusto para o apelido Barbosa, se pensarmos que o bisavô Barbosa, que trouxe o nome para S. Cosme, era um santo! E, na sua maioria, os Aguiares também são mais brandos… Das histórias mais extravagantes são protagonistas os Ferreira Ramos, sobretudo, as antepassadas da bisavó Carolina, matriarcas que deixaram fama, e os irmãos e filhos da Avó Maria. Nem te conto… Os tios, comandados pelo Manuel, o pior de todos, eram do género de "fazer chi-chi" nos tinteiros da escola, explodir laboratórios, apontar as fisgas às vidraças da vizinhança. O Tio José foi expulso de vários colégios, a Tia Glória, também, do Colégio da Esperança, eu estive perto de ser expulsa pelas Doroteias do Sardão… Na Faculdade, em Coimbra, aproveitei para inovar — quando o tempo estava agradável, dava aulas práticas "peripatéticas" nos Gerais, a caminho do bar da Faculdade de Farmácia, onde continuava a debater as matérias a volta da mesa, pagando eu os cafés aos rapazes. Como estávamos em 1974 e 75, o Rui de Alarcão não objetava!. Só se assustava, quando eu, às vezes, chumbava demais ("Manuela, vamos ser saneados!", dizia-me). Em regra, porém, acusava-me de excessiva benevolência. Eu recusava aplicar "quotas diárias", nos exames, o que descobri ser tradição da minha Faculdade… Quando todos tinham prestação satisfatória, passavam todos, quando não, chumbavam todos. Nunca ninguém se queixou, e, assim, não arrastei comigo para o saneamento o Prof. Alarcão, que, não fazendo os exames, era o titular da cátedra. O "saneamento" era, então, amplamente praticado por alunos descontentes. Outra das minhas inovações foi o dar aulas de fim de semana no Porto, a alunos voluntários — "Coimbra extra-muros". Aí não fui buscar inspiração à Grécia antiga, mas a Lisboa, onde o meu pai estava a terminar o curso no Instituto de Ciências Sociais, ou, talvez, já no ISCTE (a licenciatura foi em sociologia, pelo ISCTE ), e beneficiava desse voluntariado dos docentes. Correu bem, um grande número de professores, Rui Alarcão, Mota Pinto, e outros, vieram a aceitar o repto dos estudantes, tomavam a estrada para o Porto e davam aulas no edifício da Faculdade de Letras, cedido, para o efeito, por Óscar Lopes. 17 de março de 2018 Outra descoberta, que me entusiasma é a hipótese muito plausível de alguns destes parentes diferentes do comum terem o TDAH… O Tio Manuel e o Tio José parecem-me casos indiscutíveis. Eu não me atrevo a a diagnosticar-me como tal, mas, se fosse mais nova, submetia-me a exame, Impaciente, impulsiva, terrivelmente faladora, sou, com certeza. Responder a perguntas, antes do interlocutor acabar de as fazer, é coisa constante, por mais que tente controlar-me. E, se o entrevistador, não tiver pulso, vou por diante, passando de um assunto a outro, sem que ele consiga introduzir a 2ª questão… Sou também muitíssimo distraída, não sei se é outro sintoma. Uma vez, consegui dar uma entrevista de rádio a pensar que era de televisão. Não havia luzes, nem operadores de câmara, nem câmaras, era um pequeno e típico estúdio de rádio, de uma qualquer empresa privada. Explicação: era uma ação da campanha de Freitas do Amaral e o convite veio de Maria Elisa, que foi a entrevistadora. Eu só a conotava à TV, já tinha estado com ela em muitos programas. E só descobri o engano, por puro acaso, porque ela me acompanhou à porta e, no trajeto. eu salientei o facto de ter aberto uma exceção e ido ao cabeleireiro para estar mais apresentável. E ela, atónita, agradeceu, dizendo; "mas não era preciso, porque a entrevista era para a rádio". Podes imaginar o gozo que se seguiu, ela foi logo para trás contar o caso e eu ri-me com eles, também. Acho que foi o poder da sugestão, que me levou a abstrair da realidade. Um pouco assustador, embora não voltasse a acontecer. Em criança era imparável, ninguém conseguia manter-me uns minutos sentada numa cadeira. A Avó Maria, muito preocupada, comprava-me lindas cadeirinhas de verga ou madeira, eu gostava imenso, mas não "assentava"… Mas, em contrário, milita o facto de ter sido sempre, invariavelmente, uma aluna muito atenta e disciplinada, o que me facilitava a vida, porque, tendo uma memória incrível, não precisava de estudar muito para ter boas notas. Fora da sala de aula, virava um diabo. Quanto a divórcios, há.os mais e menos dolorosos. Posso imaginar que é muito mais difícil num casamento longo e com filhos. Eu sou feminista (num feminismo que defino, à maneira de Ana de Castro Osório, como um "humanismo Integral" — nada contra os homens, antes pelo contrário) e reconheço que se fala muito das mulheres como vítimas, quando em muitos casos elas exercem as mais diversas formas de violência psicológica e as vítimas são eles… No meu caso, como sou muito direta e impulsiva, não era disso que se tratava. Mas o meu "ex", embora fosse "mulherengo" (causa próxima do divórcio, pacífico, por mútuo consentimento), tinha muito melhor feitio do que eu! E lidava bem com o meu mau génio. A separação por mútuo consentimento, no velho código de Seabra, exigia o consentimento dos pais, se fossem vivos. Um absurdo, expediente para dificultar, obviamente. Era tudo ridículo, o regime, as leis, os preconceitos. Não o juiz, um homem muito simpático, que terminou a desejar-nos, a ambos, muitas felicidades. O meu processo de separação começou em 70 e terminou em 71. Nos termos da Concordata, não havia divórcio para casamentos católicos. O meu divórcio foi dos primeiros a ser decretado, logo que essa interdição foi eliminada, em 1975, se bem me lembro. Foi por essa altura que Manel regressou da Suécia, com a 2ª mulher, de quem já tinha um filho. Eles ficaram muito contentes por resolver essa situação e eu também, por outras razões, porque gosto de situações claras. É curioso que temos outro primo, já falecido, que também casou 3 vezes e só foi feliz no último casamento — o José Joaquim Mesquita de Abreu Barbosa, filho do Tio Avô José Barbosa (o juiz). Divorciou-se da primeira, que era muito bonita, mas completamente doida (uma Biscaia, irmã da Madalena Perdigão — senhora muito ajuizada), com a segunda, uma americana, teve 3 filhos e nem chegou a casar (porque ela não quis, pelas piores razões, para poder "zarpar" para a América, livremente, levando os rapazes com ela), e acertou com a 3ª, que era uma colega, bibliotecária, como ele. [… ] Liubliana é uma cidade bonita, com uma dimensão ideal. Pareceu-me muito mais Austria do que ex-Jugoslávia… Passei por lá, uma vez, fiz um "stop over" em rota para a Macedónia. [… ] A Faculdade de Letras, em 1975/76, funcionava mesmo naquele belo prédio de esquina, em frente à fachada do Hospital S António!. Os alunos eram quase todos mais velhos do que eu e estavam bem organizados, numa espécie de cooperativa (CATEDIN, salvo erro). Com eles sentia-me mais à vontade, e, talvez por ali estar em voluntariado, a minha "performance" era superior ao habitual. 19 de março de 2018 Reconheço que me enquadro em parte da sintomatologia. Mais uma: o ir pela noite fora a lendo compulsivamente um livro que me interessa, ou organizando álbuns de fotografia ou outra tarefa qualquer. Nestes últimos tempos, isso tem acontecido muitas vezes, mas, em vésperas de viagem à América do Norte, julgo que é uma boa prática, por eliminar o desfasamento de horários, visto que lá me vou levantar cedo e deitar cedo (hopefully…). Também caraterística minha é perder-me, a meio da argumentação, passar a outro fio condutor, ou parar para perguntar aos interlocutores o que estava a dizer. Aconteceu-me, recentemente num grupo de amigos em Toronto e quando acrescentei que me tinha perdido, sinal de envelhecimento, um deles, que é jornalista, tranquilizou-me, lembrando que há 30 anos já isso me acontecia. (É o Cruz Gomes, um antigo jornalista da Emissora Nacional, que passou por Angola e daí emigrou para o Canadá, mantendo aí uma qualidade profissional muito acima da média. De mim, fez dois títulos de jornal que retive: "Dom Quixote de saias" e "Uma mulher tranquila que às vezes vira furacão"). E é, igualmente, muito frequente esquecer-me de acabar uma refeição, quando estou sozinha, ou esquecer água a ferver no fogão, o que é perigosíssimo — já não sei quantas vezes tive de deitar fora cafeteiras e tachos negros… Não sei cozinhar, não vou além de cozer peixe para os gatos ou ovos para mim. Um dia, na Inglaterra, um colega gabou-se das suas habilidades culinárias e perguntou-me pelas minhas. Respondi, com toda a verdade, que sabia fazer chá e café e cozer ovos. Ele comentou: "percebi, sabes ferver água". É esta capacidade de simplificar, que eu aprecio nos ingleses. Ainda em relação ao TDAH, não me enquadro, como disse, em falta de atenção escolar — tive desde a 1.ª classe, uma paixão por aulas, estive sempre focada no discurso dos mestres. Possivelmente, porque não me deixaram ir, como tanto queria, para a escola aos seis anos e tal. Fui aos 7 anos e tal (nasci a 9 de junho). Pode ser a explicação para tanto afinco. Nunca foi preciso ter explicações extra, ou mesmo mandarem-me estudar. Fazia questão de ser a melhor da turma, era horrivelmente competitiva, e demasiadamente incitada por pais e avós… Estive sete anos num internato, o Colégio do Sardão, que na altura era o topo do "ranking", tinha excelentes professoras e ótimas condições para o desporto. Reconheço isso, hoje, mas, então, detestava cordialmente aquela espécie de quartel de freiras, aproveitando todas as suas vantagens. No antigo 6.º ano, por insistência minha, contra todas as resistências paternas, passei ao ensino público. Fui tua "vizinha", isto é, aluna do Rainha Santa. Integrei-me às mil maravilhas — para minha surpresa, as professoras eram tão boas ou melhores do que as Doroteias (consideradas as "jesuitas no feminino"). Acabei por ganhar, em 1960, o "prémio nacional" pelo Rainha, o que me valeu uma magnífica viagem com os restantes vencedores do "prémio" a Marrocos (Ceuta, Tânger, etc), porque era o ano do centenário do Infante Dom Henrique. A esse grupo pertencia o detestável Mota Amaral, mas, na altura, mal dei por ele. Foi a minha primeira viagem de avião. Em Coimbra, acabei por terminar na vanguarda (com o Gomes Canotilho, o Manuel Porto). Julgo que foi com eles que partilhei o prémio Beleza dos Santos de Direito Criminal. Mas não fui convidada para assistente, ao contrário do que aconteceu com eles, barravam as mulheres… Deram-me uma bolsa para fazer o curso complementar de Ciências Jurídicas. Entretanto, consegui um lugar de assistente do Centro de Estudos do Ministério das Corporações (que exigia média mínima de 16 valores, a mesma das Faculdades). Restituí a bolsa de estudo e desisti da carreira académica. Voltei para Coimbra tarde demais, nas vésperas da revolução de 74. Queria sentar-me naquelas cadeiras, onde deveria ter estado 10 anos antes, mas não tencionava ficar por muito tempo. O regresso a Coimbra não me levou ao doutoramento, levou-me à política, através de Mota Pinto, de quem era assistente, quando "zarpei", de vez, para Lisboa. Acho que fiz mal… Prezo mais o mundo académico do que o político, evidentemente. [… ] A emigração foi a via para a revelação de potencialidades, para o sucesso!. Isso é muito frequente em qualquer domínio. Não se vai só mais longe geograficamente falando… Sai-se do marasmo, e do nosso pequeno mundo de invejosos. Lá diz o ditado: "nunca o invejoso medrou, nem quem à beira dele morou". [… ] O ciúme é um sentimento que compreendo mal, não convivi com ele no meu casamento (ele sabia que são motivos e eu não sabia e, quando soube, fiquei tão furiosa, que tratei de o despachar, não de o conservar, facilitando imensamente a vida à 2.ª mulher. Foi a melhor decisão, também porque não era a que ele desejava, de todo…). Os meus pais, sim eram ambos ciumentos, uma altura houve em que quase se separaram, mas, depois, na meia idade e velhice, davam-se lindamente, sobretudo, por obra e graça do meu Pai, homem muito equilibrado e sociável. A rotura definitiva com o Manel aconteceu em fins de 69. Ele estava para ir, e já não foi, evidentemente, comigo para Paris. Eu morava, então, na Casa da Argentina, onde todos tocavam viola e dançavam o tango e a relação mulheres/homens era sã. Se namoravam, namoravam; se não, eram excelentes amigos. Era o que eu queria, amigos, não namorados. No meu grupo português, onde predominavam os casais, também era assim, coisa talvez incomum, na altura. Ainda tive um candidato a romance, mas consegui gerir as coisas, sem estragar a amizade. Foi das épocas mais felizes da minha vida! Lembro-me de uma alemã da Casa da Argentina me dizer: "Tu encaras o divórcio como uma mulher alemã". Para mim, era natural, o meu lema foi sempre "viver e deixar viver". Quando o Manel regressou da Alemanha, em 1974, e nos reencontramos, já não havia ponta de ressentimento da minha parte (da parte dele nunca houve). Quando estive no governo, ele colaborou ativamente comigo, em protocolos sobre cooperativas (é PS). aparecia muitas vezes e toda a gente o achava encantador. Claro que me viam como a "má da fita", num casamento desfeito, coisa que pouco me ralava. Assim foi, pelo menos, até ele começar a esquecer prazos e a falhar alguns dos projetos… Não lhe falta inteligência, nem cultura, nem simpatia, mas não é certo. Suponho que também é TDAH, mas não o meu género de TDAH. Como marido era um filme de "suspense", como colega é divertidíssimo! Se ele procurou ajudar-me, à sua maneira, eu dei reciprocidade, recomendei-o para vários lugares de assessoria (onde não lhe falta competência, se se esforçar). Escreve muito bem — as cartas que me mandava, nas férias, durante os cinco anos que durou o curso, são uma delícia. As minhas para ele são uma sensaboria. Pareço uma tia velha a dar bons conselhos. O Manel foi aluno de Óscar Lopes, no Liceu D. Manuel no Porto e era um admirador incondicional. O filho, Sérgio, era nosso comum amigo (perdi-lhe o rasto). Conheci Óscar Lopes num almoço de convívio dos tais estudantes voluntários, justamente porque era o benemérito que cedia as salas da Faculdade para as aulas de fim de semana. Fiquei entre ele e o Doutor Mota Pinto. Admirado por me ver em tão efusiva conversa com Óscar Lopes (e certamente receoso de que falasse demais, sem saber, ao certo, quem era aquela individualidade), deu-me um toque no braço e disse, baixinho: "Olhe que ele é do PCP". Eu, no mesmo tom, respondi: "Eu sei, Eu sei". E ele, de novo : "Olhe que ele é do Comité Central do PCP. E eu, tranquilizando-o: "Eu sei, eu sei". A minha conversa centrava-se, afinal, no Sérgio, no Manel e em outros assuntos apolíticos… O que não imaginava é que naquele belo edifício convivessem as Letras e as Ciências!!! Na minha ignorância, julgava que era só Letras… 20 de março de 2018 Estou a fazer as malas — parto amanhã e tenho de sair de casa às 7.00. (detesto levantar-me cedo…). Poucos dias estarei fora, por causa da minha mãe e dos cinco gatos… Estou habituada ao vaivém, andei sempre numa grande correria. Desta vez, fico em Toronto de 22 a 23, num pequeno hotel muito central, onde espero descansar, porque a 24 e 25 em Montreal, vou andar num turbilhão de festas de emigrantes e participar no dia internacional da mulher (um pouco tardia, mas lá o que conta é ser em março). Será homenageada Maria Barroso. Vou recordar uma visita em que a acompanhei, em 2008, a convite dos que agora organizam a homenagem (militantes do PS, o diretor do jornal Lusopresse, com quem me dou muito bem). Nos seus últimos anos, depois que o marido deixou a presidência, estava afastada da vida partidária, a sua era uma intervenção puramente cívica e humanista. Grande Senhora, sempre pronta a trabalhar pelas boas causas e a ajudar toda a gente. Gostava imenso de viajar com ela, embora. tivesse de me "portar bem", nada de conversas insólitas — com Mário Soares, sim, "quanto pior, melhor" — ele achava piada a todos os meus disparates, comentários mordazes sobre política e políticos de todos os quadrantes e de todos os partidos. Durante o governo do Bloco Central, numa altura em que os líderes soviéticos morreram uns atrás de outros, o Dr. Soares compareceu em todas as cerimónias fúnebres, e chegou a requisitar a minha companhia, em representação do PSD, porque me achava "muito divertida". O Doutor Mota Pinto vetou — do PSD não ia ninguém. E telefonou-me, de seguida, a informar. "Nem sabe do que a livrei! De estar cinco horas de pé, sob a neve, em Moscovo… Tem de me agradecer". Acho que sim. O Dr Soares, no regresso contou que foi uma ordália, sentiu-se enregelado. Mas eu também o achava tão divertido, que tenho pena de não ter ido… Um exemplo dessas conversas, uma das mais ligeiras com que ambos nos divertimos, durante uma das boleias que me deu, quando Cavaco já era 1.º Ministro e eu Vice-Presidente da Assembleia: de repente, mudou de assunto, e disse-me "O Cavaco é um homem elegante. Parece o Gary Grant". Eu, discordei prontamente: "Não acho, Senhor Presidente. A mim, ele parece-me o Tony Perkins" (se bem te lembras é o ator de "Psico"). Soares detestava Cavaco, mas, pelo visto, invejava-lhe a silhueta… Com Mota Pinto também lembro de episódios do género. O pior foi, certamente, a minha resposta quando me perguntou a opinião sobre o seu cartaz de campanha, em 1983. O cartaz era mau demais. Ele sentado num cadeirão de couro, muito hirto, a olhar em frente, com um vaso de tulipas ao lado. Embora o retrato, em si, fosse bom, era o de uma figura estática e majestática… E eu não hesitei, foi reação espontânea: "O cartaz é péssimo. Só lhe falta uma manta nos joelhos e um gato ao colo". Ele ficou muito surpreendido, mas como era excelente psicólogo, percebeu que era isso exatamente o que eu pensava. E, talvez, mais tarde me tenha dado razão. Zangado não ficou, era um homem inteligente. Quando achava que eu exagerava, limitava-se a uma exclamação: "Ó Manuela!". Dei uma ideia errada das minhas habilidades como bailarina. Dançava apenas razoavelmente, exceto viras minhotos, que são a minha especialidade. Uma vez, em Mainz, estive num palco a dançar meia hora com o Rancho Gonçalo Sampaio, num festival de música organizado pelo Padre Cabral. Por sinal, tenho paixão pelo tango, nunca esquecerei a orquestra do "Viejo Almacén" logo na 1.ª visita a Buenos Aires (cortesia do Embaixador Lencastre da Veiga), mas se há modalidade que não sei dançar é mesmo o tango! E por isso mais amiga fiquei daqueles simpáticos argentinos, que nunca desistiram de me convidar, tentando, em vão, que eu acertasse o passo, ao longo do salão da Fundação Argentina. Em casa, todos cantavam e dançavam maravilhosamente, sobretudo a minha irmã Madalena. Eu era a exceção. No meu grupo português de Paris — éramos conhecidos como os católicos progressistas — não havia bailes. Só debates, idas aos cinemas. ao teatro, a exposições a restaurantes do Quartier Latin e festivos jantares na cave da Casa de Portugal, onde havia uma grande sala e uma cozinha que podiam ser requisitados. Todos colaboravam. Eu, como não sabia cozinhar, era voluntária para lavar os pratos. O casamento dos meus pais começou marcado por ciúmes tolos. A mãe rasgou as cartas, as fotografias e os versos dedicados a Celina Viana, a 1.ª mulher do meu pai (casamento romântico, aos 19 anos, ela, lindíssima, já tuberculosa, morreu passado menos de um ano). O pai retaliou, rasgando uma composição que o pianista e maestro Marques Ribeiro, a quem chamavam o "Chopin português", tinha dedicado a minha mãe, quando eram vagamente namorados. Ele gabava muito as performances da Mãe, como pianista. Não sei se era um julgamento objetivo, mas chegou a convidá-la para um concerto a 4 mãos. A avó, embora grande melómana e admiradora do Marques Ribeiro, não consentiu. E eu que tanto gostaria de preservar todas essas recordações perdidas! Para além disso, o pai não podia ir sozinho nem ao café, só mesmo para o emprego, onde a prima Fernanda Lobão sabia todos os seus movimentos. Ao estádio das Antas ia, mas tinha de me levar com ele (sorte minha, que sou apaixonada por todos os desportos, e, sobretudo, por futebol). A partir de certa altura, a mãe começou a fazer pressão para que não fossemos. Só voltei com regularidade aos estádios, já com mais de 25 anos, depois do regresso de Paris, e os meus companheiros eram sempre o Tio Serafim e o filho mais velho, o António. Não falhávamos um jogo! [… ] Era uma carreira assim que eu sonhava, em criança e adolescente, mas nunca levei nada longe — nem mesmo no meu domínio, em ciências jurídicas. Valeu-me o facto de ter tido prazer na aprendizagem, em quase todas as disciplinas do curso. Francamente, não me sinto nada realizada no trabalho político de tantos anos. Tudo quanto tentei fazer, em termos de políticas articuladas com o movimento associativo, incentivo à federalização desse movimento, os mecanismos de preservação da memória coletiva (o Fundo Documental e Iconográfico da Emigração Portuguesa, o Centro de Estudos, a Linha Editorial), o Conselho das Comunidades, as Conferências para a igualdade, o chamado programa cultural, os intercâmbios e cursos de verão sobre a realidade portuguesa (não apenas sobre língua), o Instituto de Emigração, tudo foi destruído ou desvirtuado… Barbosa de Melo, outro dos meus professores e grandes amigos, clamava que o pior defeito da política nacional era a constância das roturas, em que gastamos as nossa energias e os nossos recursos. Não vi mais ninguém denunciar este estado de coisas, com tanta clareza! 21 de março de 2018 Sempre que parto em viagem, corto de tal forma com o "antes", que, depois, tenho dificuldade em retomar o ritmo da minha vida. Já assim era quando fazia uma deslocação que não fosse de ida num dia e volta no outro (como eram as quase semanais idas a comissões do Conselho da Europa). Apesar disso, gosto de partir e gosto de regressar, sobretudo quando tudo corre bem, como aconteceu no Canadá. Montreal não é Paris, mas também pode ser uma festa, e uma festa bem portuguesa! A minha anfitriã foi uma jornalista, que é uma "mulher de armas". Incrível a coragem e a energia que mantém aos 63 anos, apesar de um doença muscular, que já a obrigou a dezenas de cirurgias, a última das quais muito recente! Fez o lançamento de dois livros, num jantar de gala, com duas centenas de convivas, em que voluntários de todas as idades leram poesia e prosa da Autora. O Cônsul-geral e eu integrámos a longa lista. Foi diferente, interessante, caloroso, nas instalações de um dos mais 200 — ou 300 — salões do Espírito Santo, que existem nas duas costas da América do Norte. E, no domingo, o jornal Lusopresse, que é um dos melhores do mundo da emigração, organizou pela 18.ª vez consecutiva o seu "dia internacional da Mulher", com uma homenagem a… Maria Barroso! Depois, ficámos à conversa num excelente e tranquilo restaurante até às tantas. Já não ia a Montreal há 10 anos!!! (Só Toronto e New York têm continuado na minha rota anual, mas, agora, creio que os convites do Québec não vão parar). E eu aceito sempre que posso — prefiro pagar voos para estes reencontros de amigos do que para passar férias em praias paradisíacas. Para férias, basta-me o mar de Espinho. Sim, na verdade eu gostava muito do casal Barroso / Soares, mas isso, apesar de os ter conhecido nos círculos da política, num tempo em que eu era aguerrida oposição ao PS, a relação já não tinha nada a ver com ideologias ou partidos. Para mim, os dois eram simplesmente amigos, de quem sinto muitíssimo a falta. O nosso mundo vai morrendo com os nossos amigos… Com os filhos, Isabel e João, não tenho ligação alguma, embora aprecie a filha, que é super inteligente. Poderia ser um fenómeno na cena política, ao contrário do irmão, mas está exclusivamente focada no colégio — um magnífico colégio, que vale o trabalho que lhe dá. No lugar dela, faria a mesma opção. No voo de Paris para o Canadá — sempre mais longo por causa dos ventos — passei o tempo a ver cinema; comecei com um Démy, "Les Parapluis de Cherbourg", e acabei com um filme que passou há pouco no Porto, com o título "Ciúme". É sobre uma mulher doentiamente ciumenta, que inferniza a vida de todos à sua volta (incluindo a filha). É muito credível. São comportamentos e reações que escapam ao meu entendimento. Mas, pensando bem, como se vê em tantos agressivos e odiosos comentários no "facebook" e similares, é coisa mais comum do que pareceria provável. 29 de março de 2018 É verdade que com a idade, o nosso enfoque nos projetos de viagens vai evoluindo. E, mais ainda, a vontade de viajar (que ainda não perdi — nesse aspeto pareço-me com a Avó Maria Aguiar, que, mesmo depois dos 90, apreciava todo o movimento que lhe proporcionassem, em passeios, peregrinações e jantares em restaurantes). Mas recordo-me bem da Cristina (Aguiar Saraiva) me dizer, durante uma das férias que passei, com ela, em Aalem: "Aproveita ao máximo, vai a todo o lado, enquanto te apetece, porque a partir de certa idade, vais preferir. como eu, agora, ficar em casa", Na altura, ela ainda não tinha cinquenta anos! Sempre que me lembro dela, tenho muitas saudades da sua alegria contagiante, das suas gargalhadas, do seu interesse pela política internacional, pelo ambiente, pela música… Ela tinha dez anos menos do que a minha mãe e dez anos mais do que eu e era como se fosse das nossas respetivas idades. Um espírito sempre jovem. Não foi feliz na Alemanha, não gostava nem do país, nem das pessoas, nem dos costumes. Era uma mulher profissional, criativa, comunicativa, lá remetida ao papel de dona de casa, a fazer tartes e bolos para os chás das "amigas". Embora fosse exímia em tudo, vivia em "stress", sempre com receio de falhar — de queimar os bolos, de esquecer um pormenor. Como mulher de um administrador, tinha de organizar receções para patrões e clientes importantes e de ser sempre perfeita. Até era, todavia, achava que não. Ele, um marido apaixonadíssimo, obsessivo, excessivo em tudo, acabava sendo muito chato. A Cristina era de uma lealdade superlativa, boa e dedicada, mas só respirava fundo quando regressava ao seu meio, à sua família. Fazia férias longas em Portugal, e, então, não parava. De Cerveira a Lisboa, visitava a infindável lista de antigas amizades e requisitava frequentemente a minha companhia para essas excursões. Por sinal, eu era a única pessoa da família da Cristina de quem o marido gostava. Sentia-me bem na Alemanha, onde é fácil ser aceite, se fizermos tudo exatamente como eles. São muito gregários… Eu fazia sucesso, porque parecia mais alemã do que eles. Comia peixe cru ou bifes tártaros, bebia cerveja ou vinho do Reno, torcia pelo futebol alemão… "Em Roma, sê romano". O Ernst ficava encantado, esmerava-se a levar-me aos melhores espetáculos e restaurantes. Do resto da família não gostava. tinha ciúmes doentios das cunhadas… Falava português perfeitamente, com pronúncia brasileira, porque trabalhou no Brasil, antes de ser empregado do António Maria. A morte prematura da Cristina, de enfarte do miocárdio, pode ter tido a ver com as contrariedades que enfrentava, apesar de ele a tratar como "a sua rainha". Já a irmã Belita (a que vai a caminho dos 101 anos) teve a sorte de casar com o melhor dos alemães. Um homem equilibrado, sociável, inteligente (à altura dela intelectualmente — fisicamente, ela é pequena, ele tinha mais de 1.90 m…). Passei em casa deles, na Lapa, alguns dos serões mais divertidos da minha vida! E, no verão, ia muitas vezes com eles para as praias mais tranquilas da Caparica. Nos tempos agitados da revolução, só falávamos de política, como toda a gente. Lembro-me de o Walter me ter levado, uma vez, ao Ministério do Trabalho, no seu jaguar (depois de um almoço prolongado), e de me perguntar se queria que me deixasse a alguma distância da entrada, porque podia ser insultada ao sair de um carro "fascista", conduzido por um estrangeiro loiro, que podia ser visto como "agente da CIA". Eu ri-me e insisti em sair mesmo à entrada do Ministério. Mas a verdade é que, durante a loucura do PREC, era preciso coragem para circular com um grande jaguar no centro de Lisboa… Coragem era qualidade que também não lhe faltava. Deve ter sido invetivado com alguma frequência… mas não nas boleias que me deu. Continuando no capítulo da família, direi que conheço bem o Carlos Maia e gosto muito dele. Trabalhou, de facto, ainda com o meu pai no Grémio, mas nos últimos anos, quando o pai já preparava a reforma. Com a Fernanda foram anos e anos de convívio no trabalho. Em 2015, fui operada no hospital da CUF por um eficiente e super simpático cirurgião, o Dr. Sá Santos. Só, mais tarde, quando fui a uma consulta com um dos meus primos quarentões, o João Miguel Aguiar (neto do Tio Serafim), descobri que ele é um primo Maia! Reconheceram-se, abraçaram-se, tinham sido colegas no colégio dos Capuchinhos de S Cosme. Já não usa o apelido, mas é um Maia. Vive no Porto. Achei muito curioso dizeres que ficas vermelho com o sol da praia. O mesmo se passava com o meu pai. Adorava veranear em Espinho, para onde vinha desde que nasceu, era capaz de ficar nas areias da "praia azul" dias inteiros, mas nunca conseguiu ver-se bronzeado, apenas vermelho — um autêntico "pele vermelha". Vermelho no rosto e no peito. Nas pernas nem isso — sempre brancas, branquíssimas!!!" Não é o meu caso, embora não seja morena, escureço facilmente com o sol. Detesto "fazer praia", só gosto de nadar. Atravesso o areal a correr a caminho da água e venho embora mal termino o banho… Evito banhos no mês de agosto, um mês horrível por quase todo o lado. Quando o tempo o permite, prolongo a "saison" até ao fim de outubro. É bem mais agradável, somos meia dúzia de pessoas conhecidas, todos "seniores", todos espinhenses. Jovens, nesses meses, só os que praticam surf… Encaro este tempo pascal sempre com "mixed feelings", porque o Pai morreu subitamente, num domingo de Páscoa, ao jantar, depois de uma tarde animadíssima na casa do Mário, em Gondomar. Como era muito católico (bem mais praticante do que a minha mãe ou do que eu…), ir num dia tão especial no calendário cristão só pode ser bom sinal… Na memória está, por outro lado, a alegria da Páscoa na casa da Avó Maria, com a multidão dos seus filhos, netos e bisnetos. Todos à espera do "compasso"! A Avó tinha sempre uma mesa comprida cheia de doçaria e garrafas de Porto e champanhe, e o Padre e toda a comitiva entravam e confraternizavam connosco, obrigatoriamente… A Avó era uma paroquiana muito especial, a ela não podiam dizer que não. Bonita tradição, que está perdida ou a perder-se. Nalgumas das comunidades do estrangeiro, ainda não, mas, como as distâncias são grandes, o "compasso" circula de carro!!! (Em Connecticut, por exemplo). 30 de março de 2018 No domingo de Páscoa, a Mãe e eu fomos almoçar num dos círculos em que se fracionou a família Aguiar, após a morte da Avó Maria — a casa da bisneta do Tio Serafim, pelo lado do António, e minha afilhada Manuela, a quem chamam Quica (tem duas filhas, de 12 e 7 anos, Beatriz e Isabel). Costumo ir a Gondomar a casa do bisneto, pelo lado do Mário, o Paulo. Ele e as irmãs não venderam a casa dos pais, que apenas serve para convívios semanais e grandes festas. É o último sítio onde ainda, pelo fim da tarde, há a visita do compasso, já só com leigos de opas (será opas?) brancas, sisudos, muito seguros do seu "papel" — ou talvez não, porque a Ressurreição deve ser celebrada com maior exuberância, penso eu. Não sei se sou crente ou agnóstica, depende do momento. Como o Pereira de Trabuchi, não acredito na ressurreição da carne e em muitas outras coisas, incluindo no inferno com diabinhos vermelhos… A mãe é, na verdade, católica (não praticante, porque não vai à missa — considera-se dispensada em razão da idade, mas, mesmo em nova, não era devota como o marido, mãe, sogra). Eu também poucas vezes vou, mas quando vou, sinto-me bem na igreja, exceto se o sermão for chato (e quase sempre é…). Também fui educada num colégio "jesuítico", porque as Doroteias da Paula Frassinneti são muito próximas dessa Ordem masculina. Um dos amigos do meu pai, o Padre António Pinheiro, era professor de teologia (em Braga?) e jesuíta. Foi na "missa nova" dele, no Monte da Virgem em Gaia, que os meus pais se conheceram. O Padre António teria hoje mais de 100 anos, se fosse vivo. Convivi com D. Manuel Martins, porque ele colaborava regularmente com uma associação de que sou fundadora — a "Mulher Migrante — Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade" (não sei quem foi responsável por esta longa designação…). Não me apercebi da morte do Carlos, há já 10 anos! Todos nós o estimávamos muito, os meus pais e eu. Namorou com uma prima minha, Madalena, filha do Tio António, que é completamente "desaparafusada" (em quatro irmãos é a única com esses desequilíbrios, que não são evidentes nos primeiros convívios). Felizmente, ele apercebeu-se a tempo, e acabou com a relação, mas passou um mau bocado — ela perseguia-o, até com ameaças de morte. Foi um susto para todos nós… Ele era impecável — tinha a nossa solidariedade, obviamente. Por fim, ela casou com um empregado bancário e acalmou qb. Aqui em casa está completamente barrada — e a minha mãe adora receber os sobrinhos, incluindo a única irmã dela que sobrevive às mortes prematuras dos irmãos Inês e Alexandre (cancro)… Tem dois filhos simpáticos, um é patologista na Noruega e outro, que é meu afilhado, fez um curso de hotelaria e é aprendiz de "Chef" em Londres. Ela, mesmo sem "acessos de cólera", é dada a atitudes estranhas, embora comigo se porte melhor do que com a maioria. Tem uma casa de turismo de habitação, no Marco de Canaveses, e até aos filhos tenta cobrar as dormidas!!!… Era muito bonita, em tempos que já lá vão. O Tio António foi o único irmão da mãe que fez fortuna, depois que se reformou como Tesoureiro da Fazenda Pública. O Tio Manuel ficou-se pela função pública, o Tio José terá sido o único "designer" e "diamond settler" de Nova Iorque que não enriqueceu — trabalhava para os melhores joalheiros judeus da 42nd, de quem era grande amigo, mas espalhava o dinheiro pela família (bastante, sobretudo a quem lhe pedia, como foi o caso de uma das irmãs…) e pelo círculo das amizades internacionais, com brasileiros (e mais ainda, brasileiras) e chineses no topo da lista. Era de uma generosidade infinita. Em matéria de viagens, fez muitas, no triângulo Gondomar-Rio-NY e, também, algumas no Oriente, Israel, China e Japão, exclusivamente para estar com amigos — "turismo afetivo", porque o outro não lhe interessava nada. Em Gondomar, quando andava nos últimos anos do liceu criou uma "sala de estudos" (atual terminologia…), naturalmente gratuita, puro voluntariado, no Vinhal, para ajudar colegas pobres. Era o "diretor", dava explicações e os irmãos também. O curioso é que todos os seus "alunos" passaram o exame e ele não… Muito boémio, teve uma fila de namoradas e nunca casou — no blogue da família, chamei-lhe "um santo laico" (republicano e agnóstico, na senda dos tios, mas se houvesse um céu, no prolongamento da vida terrena, lá estaria, com certeza, bebendo o seu copo numa roda de convivas). Misterioso homem, Filipe Sá Santos!!! Como médico é de uma grande sensibilidade… Contudo, julgo que as questões de família não lhe dizem muito, o sermos primos não o deixou particularmente interessado. Como paciente, sim, interessava-lhe, deu-me imenso apoio psicológico, até andou pelos corredores do hospital a reensinar-me a andar normalmente. Uma simpatia! Foi em 2015, o meu "annus horribilis" (nunca sei se o latim está correto, falta-me o meu pai, que era o latinista). Tive, até aos meus 38 anos, um medo invencível de andar de avião. Só que de diferente modo: o que me apavorava era a ideia de voar!… Achava coisa anti-natural, natural eram barcos no mar, carros ou comboios em terra… Andava enervadíssima nos 10 dias anteriores, em contagem decrescente, como se fosse ser lançada de um foguetão da NASA. Depois, dentro do avião, como já nada podia fazer, resignava-me, acalmava, não tinha alternativa. A opção é que era angustiante. Mas melhor me sentia quando as rodas do avião pousavam no solo. Por isso, nunca fui a Angola, onde poderia ter passado férias maravilhosas com o Tio Eduardo Fonseca e os primos. O meu limite era uma viagem curta e direta a um determinado ponto central da Europa. Daí, fazia o resto do percurso por meios terrestres… Por exemplo, para chegar a Stuttgart, de visita à Cristina, voava para Zurique e, para não tomar segundo avião, seguia de comboio de Zurique para Stuttgart — horas perdidas, em transfers e no percurso de algumas centenas de quilómetros, que, pelos ares, se fazem em pouco mais de meia hora, quase sem aumento de custos… Ela achava uma grande tolice, ralhava-me sempre… Quando vivi em Paris, tinha três viagens/ano pagas pela Gulbenkian, por avião em turística ou por comboio em 1.ª classe e wagon lit. Pois nunca ousei tomar o avião. Desperdicei sempre dois dias inteiros em interminável marcha lenta no "sud"… Tudo mudou, quando fui convidada para a pasta da emigração. A primeira missão levou-me às duas costas dos EUA e Canadá — cerca de três semanas, a levantar voo quase quotidianamente… De princípio, bebia uma taça de champanhe para animar… Depois, já nem era preciso. O ambiente dos aeroportos é colorido, luminoso, festivo, preenchido por gente apressada, em contraste com os salões das companhias, tão "cosy". Lia a imprensa e os meus policiais, quando não tinha de rever relatórios. O serviço a bordo, dantes, em 1.ª, era sumptuoso. Voar tornou-se uma rotina e um prazer. Fiz essa vida por mais de 30 anos. Durante os 13 de Conselho da Europa, quase não havia uma semana em que estivesse tranquilamente no país. Talvez tenha mais horas de voo do que muitos pilotos. Alguns jornais, como "O Diabo" chamavam-me Manuela Avoar, em vez de Aguiar. Também o Dr. Soares gozava imenso com o tema da minha peregrinação constante. Quando se falava de qualquer lugar ou ilha remotos, virava-se para mim e dizia: "Claro que a Sr.ª Dr.ª já lá esteve… " Claro que não, na maior parte dos casos… Eu só ia onde houvesse significativas comunidades portuguesas. Estão muito espalhadas, mas não tanto. Ilhas exóticas era mais o destino dele do que o meu… Aliás, dessa fama de dinâmicos viajantes nem ele nem eu nos livrávamos — e, se há coisa que o povo português inveja é mesmo isso, viajar! Uma sub-espécie de saudade histórica da era das caravelas? Não distinguem trabalho e turismo. E há diferenças. Fui, certamente, mais de 20 (ou 30?) vezes à Africa do Sul sem visitar a meca turística de Sun City (sobre a qual há opiniões muito discordantes), embora várias vezes ela constasse do programa, tal como o Kruger Park. Porém, houve sempre um convite comunitário a que eu dei prioridade… 3 de abril de 2018 A nível internacional, as minhas organizações foram de uma dimensão muitíssimo menor, e, mesmo assim, deixaram um rasto de histórias para contar. Numa delas, eu própria ia faltando ao evento… Foi no Porto, numa conferência de ministros responsáveis pelas migrações (do Conselho da Europa), em que eu acabei num carro com um motorista a quem ninguém dera a direção da morada onde eu ia oferecer o jantar. Sabia, vagamente, que era uma antiga quinta dos van Zeller, pertencente ao Ministério da Cultura — talvez para os lados do Campo Alegre. Foi um susto, porque não havia telemóveis, não podia estabelecer quaisquer contactos, todos os funcionários, incluindo os responsáveis pelo erro, estavam "on the road"… Mandei parar o carro umas dez vezes, com o motorista em estado de choque, e sai a perguntar a numerosos transeuntes se sabiam onde era a casa dos van Zeller. Por fim, foi um velhinho que me salvou. Sabia, mas reconheceu-me e fez imensa conversa… e eu não podia apressá-lo, apesar do meu desespero. Contudo, deu indicações exatas — estávamos pertíssimo, ao virar de uma esquina. Entrei a correr na casa, subi a um 1.º andar, para mudar de fato (coisa em que sou muito rápida) e desci, precisamente no minuto em que dava entrada o primeiro dos meus colegas. À portuguesa!!! De uma outra vez, também no Porto, anos mais tarde, já como membro da Assembleia do Conselho da Europa, fui anfitriã da Comissão do Regimento (da qual era vice-presidente, graças a proposta de um inglês, Lord Finsberg, que nem sequer era do meu grupo político). Entre a visita às caves de Gaia e à Sé do Porto, tive a infeliz iniciativa de capitanear um grupo de voluntários a subir as escadas da ribeira até à Sé e, a meio do percurso, passámos por nem sei quantos drogados, que se injetavam, ali mesmo, à nossa frente. Um horror, nunca tinha visto nada igual. Por sorte, a maioria da Comissão tinha optado por fazer o trajeto de autocarro. 4 de abril de 2018 Estive ontem todo o dia sem net… Pensar que já vivi sem ela e nenhuma falta me fazia. Agora faz tanta… Como estive todo o dia no Porto, à tarde na Lusófona, a ouvir o João Soares a falar sobre o Pai (surpreendentemente muito bem), não detetei o problema. Depois, passei maus bocados a tentar perceber o que se passava e só quando entrei no quarto, onde está o "rooter" (espero que se escreva assim) percebi onde estava o mal. Já era de "madrugada", deixei para hoje. Afinal, tratava-se apenas um cabo mal ligado, hipótese que, claro, já tinha considerado, mas, talvez sem a mesma convicção… Tudo bem, o azul do rooter está definitiva e fixamente azul, como se exige… (foi certamente a mulher a dias que o desligou, em missão de limpeza). Pertenço ao grupo dos amigos dos animais e da natureza… (até já votei no PAN, embora ache o ativista um bocadinho limitado (não é um grande crânio, como se dizia nos meus tempos de Gondomar), mas tem conseguido alguns resultados. Mais do que quaisquer movimentos antes dele. Até já as contas de veterinário descontam no IRS… Gosto sobretudo de cães, tive vários ao longo da vida. Considerei um presente inigualável, o "pequinois", que me ofereceu a prima Angélica (Reis, do lado do meu pai) no meu 7º aniversário. A prima fazia criação de cães de "raça pura", na sua quinta de Avintes. Era uma cadela e eu chamei-lhe "China" ou "Chinita". Seguiram-se muitos outros. Em Avintes, na casa da Avó Olívia havia gatos — uma gata sumptuosa, enorme e peluda, que produzia, em série, ninhadas — disputadíssimas por todas as amigas da Avó… Alguns ficavam junto da gata-mãe, havia sempre muitos. De uma vez em que a gata teve pouco leite, a Madalena e eu salvamos a ninhada a biberão… Enquanto o pai, a Madalena e eu gostávamos de todos os animais, a mãe, também, mas com uma marcada preferência por gatos. Eu não quis mais cães, a partir de 1993, ano da morte da minha Yorshire terrier (um presente que trouxe, ao colo, no avião de NY a Lisboa, tão pequenina e engraçada, que um hospedeiro me disse: "Oh, my God, it looks real", ao que respondi sinteticamente: "It is real"… o pior foi que ninguém me deixou dormir nessa noite, todos de volta da cadelinha). Quando ela morreu, de cancro inoperável, o desgosto foi grande… Gato só tinha tido um, realmente meu, dado no dia em que me formei em Coimbra. Como era amarelo e eu costumava estudar no Café Mandarim, assim lhe chamei. Morreu muito novinho, envenenado. Outro enorme desgosto… Depois da morte do meu pai, a mãe encontrou na rua um lindo gato vadio, amarelo, muito parecido com o Mandarim. Foi o Mandarim II. Entretanto, surgiu uma gatinha, abandonada no nosso quintal… Meses depois nasceu a primeira ninhada. Chegámos a ter oito… Apesar de estarem todos esterilizados, ainda temos cinco. Quatro velhos e uma ainda pequena, que eu trouxe da rua, porque dormia dentro do motor dos carros — um susto… E ainda alimento (bem!) todos os gatos que me surgem à porta da rua. Sim, a minha mãe é divertida, quando está em boa companhia… Ainda vai todos os dias, sozinha, ao café próximo (com a sua bengala…). espero que se conheçam, um dia… 10 de abril de 2018 Quantas novidades! Não imaginava que o Vasco Graça Moura fosse de Gondomar e, menos ainda, que fosse um possível parente distante… Do Bispo, ouvi a minha mãe falar vagamente — nem sabia que o parentesco era do lado paterno (bisavó Ana Pereira). O mesmo se diga da 1.º mulher de Camilo Castelo Branco. Conheci o Vasco Graça Moura nos primeiros anos depois da revolução. Como optei pelo Ministério dos Assuntos Sociais, e não pelo Ministério Trabalho, em 1975, cheguei a ser assessora do gabinete dele, de onde passei para o do Rui Machete, no governo seguinte. Com o Rui a relação era próxima, não com o Vasco. Uma vez falei-lhe dessa breve colaboração, da qual ele nem se lembrava. Talvez por não ser especialista em matéria de ortografia, não tenho uma posição radical em relação ao novo acordo. Sou a favor de um acordo que procure aproximar a ortografia nos diversos países lusófonos. Em princípio, inclino-me para o "sim". O Brasil é o grande país da nossa língua. Sem o Brasil, o português tinha pouco mais do que a dimensão do galego, ou do catalão. Aceito isso, com realismo e até com afeto. Gosto muito mais dos grandes escritores atuais do Brasil (Veríssimo, Montello, Amado) do que de Namora, ou Saramago ou Virgílio Ferreira, por exemplo. Contudo, admito que o acordo em concreto seja um relativo fracasso — e que haja margem para o melhorar. Não me parece, por outro lado, que o acordo seja "pró-brasileiro" e "anti-português". O certo é que poucos são os homens de Letras que gostam de reformas ortográficas, ao longo dos tempos. Na do início do século, Pascoes era um dos mais ácidos dos seus críticos. Dava o exemplo da palavra "lágryma", que, então passou a escrever-se "lágrima". Dizia ele, mais ou menos, isto: "então não se vê mesmo como o "Y" acompanha o curso da lágrima que desliza pelo rosto?!". E os portugueses aprenderam a prescindir do precioso "y", que, hoje, não nos faz falta nenhuma… […] A caminho de Monção, temos de estar lá às 9-00 para a abertura do colóquio; vamos todas juntas, as participantes de Espinho e do Porto. A Câmara assegura-nos o transporte. De Espinho, vamos a Graça Guedes e eu, do Porto a Nassalete Miranda (diretora do jornail "As Artes entre as Letras") e uma pintora brasileira, Constância Néry. Ficaremos num dos hotéis de Monção, onde já está a principal organizadora, Arcelina Santiago (da quinta de Santiago, uma das quintas do famoso Alvarinho). Também já lá estão os meus amigos da Austrália, o Cônsul de Melbourne, Dr. Lemos e a Doutora Molly. Depois do colóquio, ao fim da tarde, regressamos no mesmo carro da Câmara. No sábado de manhã, participo num colóquio organizado pelo PS-Porto na universidade Fernando Pessoa (não sei se com ou sem o Reitor Salvato Trigo). O tema é "Migrações e integração". 11 de abril de 2018 A Arcelina Santiago não é de família macaense, mas chinesa, da grande China — por parte da mãe. O Pai é português de Portugal. Santiago é nome da família do marido e a quinta de Santiago e o seu famoso vinho (que teve, há pouco, honras de menção na Forbes; é, desde há 3 gerações, dirigido por mulheres. Atualmente a filha da Arcelina, advogada, convertida aos negócios da família. O filho vive em Londres (deve ser engº, jurista não é, de certeza…). Ela foi professora no secundário, aqui em Espinho, tem casa em Esmoriz, tal como a filha, andam cá e lá, entre o Alto Minho e a beira-mar. Tem um mestrado em Estudos da Mulher pela Universidade de Aveiro e é uma encantadora feminista, nada radical e com um notável espírito cívico. Politicamente independente, já foi deputada municipal pelo BE e fez parte de uma lista à Assembleia de freguesia pelo PSD. É acima de tudo, independente e bem intencionada, não precisa de partidos. Na Associação Mulher Migrante tem sido muito dinâmica. Todos os anos, organiza estes interessantes colóquios em Monção, ou em Espinho. Através dela, vamos muito às escolas. Fico sempre surpreendida, pois os alunos parecem-me inteligentes e abertos às nossas temáticas. Talvez só convidem os melhores para o diálogo connosco — às vezes em auditórios com mais de uma centena de adolescentes. Levamos-lhe assuntos que não constam dos programas oficiais, como as migrações, a história dos movimentos feministas, a história do Brasil… Quanto ao NAO, não acho que favoreça particularmente o Brasil, onde também tem inimigos. Sou pelo objetivo unificador que se propõe. Se a ortografia é convencional, não é a língua propriamente dita, por que não fazer a tentativa? Dentro do país, muitas são as particularidades da fala, arcaísmos, etc. e nem por isso deixamos de ir para a unificação ortográfica. Eu olho Portugal e Brasil como um espaço da língua apenas muito maior… Ma compreendo e aceito as outras posições. Só me irrita o argumento de que o NAO representa "uma cedência ao Brasil"… Quem me contou a história da invocação da expressividade do Y para escrever lágryma, segundo Pascoaes, foi Eduardo Lourenço (muito Pró-NAO, creio), durante uma boleia que a Dr.ª Maria Barroso nos ofereceu a ambos. Foi a única vez em que falei com ele e gostei — é simples, comunicativo e imensamente divertido. Nas conferências, não parece assim tão engraçado… Cito-o muitas vezes — é alguém que compreende a emigração e os emigrantes… Um outro respeitado nome das nossas Letras — com quem também só conversei uma vez, em toda a vida! — foi Óscar Lopes, e, por acaso, um dos temas foi o português do Brasil e de Portugal. Segundo ele, a pronúncia portuguesa quinhentista e seiscentista era mais próxima do atual brasileiro do que do atual português, com as vogais abertas. Assim permanecem lá, enquanto por cá "consonantizamos" a fala, suprimindo vogais (o neologismo, se o é, é meu não do Óscar Lopes…). Fiquei muito surpreendida, mas, depois, constatei que há prosélitos dessa tese. Óscar Lopes até me recitou as primeiras estrofes de "Os Lusíades", para exemplificar: "Ás ármas e os bárões assinálados". Verdade inquestionável é que muitos ditados e expressões antigas por lá se mantiveram e por cá andam esquecidas. Nada disto é de espantar ou especificamente português — basta pensar no francês do Québec e no de França. O do Québec é tão arcaico quanto feio (e difícil de entender —eu, quando tenho alternativa, prefiro falar inglês em Montreal. O brasileiro, por sorte, é mais fácil de compreender do que o português, que até soa a língua eslava… Quantas vezes, ouvindo-me falar, me perguntaram se era russa ou polaca… Num curso que frequentei no International Institute for Labour Studies, em Genebra, em 68, para técnicos e responsáveis por questões do Trabalho, havia 35 participantes dos cinco continentes, entre eles eu, portuguesa (e a única mulher…) e um russo, que era professor de Ciências Políticas em Moscovo e que tinha vivido no Brasil (teria sido jovem diplomata? — já não me lembro). Colocaram-nos lado a lado, justamente para ele exercitar a língua… Quando nos ouviram em animada conversação, os colegas quiseram saber se era eu que falava russo. O Yuri Yemelianov (um homem encantador, "gémeos" como eu…) confirmamos e nunca os desenganámos. Ainda hoje, há, à face de terra, uns trinta colegas que me julgam fluentíssima em russo (os únicos que sabiam o segredo, mas não contaram, eram os outros do bloco soviético, um checo e em húngaro, como nós, divertidos com aquela pequena mentira. Como era dos poucos participantes que falava francês, consideravam-me uma poliglota… Devo, pois, à pronúncia, essa vã glória… O certo é que, ao fim dos 3 meses que durou o curso, o Yuri já mudara de pronúncia, da brasileira pouco sobrava — pelo que a nossa fala parecia ainda mais russa… O Vasco Graça Moura era, sim, muito petulante, muito cheio da sua própria importância e sabedoria. Politicamente, no PSD, estive quase sempre nas antípodas das suas posições, embora o admirasse, como poeta e homem de cultura. São fantásticas as histórias de animais. Adoro cães e gatos, mas são, sem dúvida, sobretudo na infância, muito destruidores… Tive, em Lisboa, uma cadela Serra de Aires que roeu todas as saliências e esquinas de cadeiras e de móveis. Depois, em Espinho, a "yorkie" portava-se bem durante a minha ausência, mas, quando eu chegava a casa, mordia os meus pais se pegavam em quaisquer livros ou jornais, que ela considerava propriedade minha. Mordia pouco, porque era pequenina, mas, de qualquer forma, a minha mãe ficava irritadíssima (meu pai era mais paciente, até achava graça). Para a Mãe, a culpada era eu, como se incentivasse o mau comportamento da terrível cadelinha. "Quando não estás, ela porta-se lindamente", dizia. Gosta dos bichos, mas não entende a sua psicologia. Eu, sim — creio que a Veterinária teria sido a minha verdadeira vocação… 12 de abril de 2018 Não sei como esta foto da mais inteligentes das minhas gatas, veio aqui parar. Surgiu de uma coleção de fotos que queria há muito localizar e que acaba de desaparecer num buraco negro do computador… Evidentemente, descobri um caminho e perdi-o de imediato… Tenho de pedir ajuda às primas de 20 anos… Muitos dos meus gatos (e cães) tiveram, e têm, nome de gente, mas não era o caso desta. Sendo dada a correrias e rapidíssima quando entrou cá em casa, a mãe e eu decidimos chamar-lhe Seta ou Flecha. Ficou apenas Seta (os outros, foram ou são, entre os mais recentes, "Willy-Willy", "Derlei super Dragão", "Deco", "Jão-jão", "Tita", "Branca", "Chanel", "Mandarim II) mas, não obstante, era a mais humana das felinas ou felinos, que partilharam a nossa vida. Se acreditasse na reencarnação diria que tinha sido uma grande dama, déspota e formosa, que os pecados levaram a regredir a nova forma passageira. Nem se lhe podia ralhar, pois ofendia-se e passava horas ou dias sem nos olhar de frente. Independente, afastava de si todos os outros gatos, incluindo os filhos (penso que esquecem a filiação quando atingem a idade adulta…) e só nós éramos o seu mundo. Mas se a atacassem, "virava onça", na expressão brasileira, e dava sova em qualquer macho grande… Sabia abrir portas saltando em cima dos trincos e por vários outros modos revelava um QI incomparável. Morreu em agosto passado e está vivíssima na nossa memória. [… ] A foto caiu em cima do início da minha escrita, pelo que tenho de recomeçar… É sempre, para mim, um espanto, constatar como as migrações nos repartiram pelo mundo… Quanto aos portugueses em geral, é uma realidade com a qual convivo há muitos anos, mas na minha própria família, ao menos fora do Brasil, é sempre um facto insólito e uma agradável surpresa… Nem sei o que mais me fascina — se o facto de saber que a família da Gandra é gondomarense de vários séculos (a permanência!), se o facto de descobrir que, afinal, também tenho primos em vários outros improváveis lugares (fruto da errância antiga…). Das Canárias até Vancouver… No Brasil, a emigração familiar é antiga, mas abrange, por igual, o ramo materno e paterno. Em linha reta, do lado materno o Avô Aguiar, do lado do meu pai um trisavô Pinto ou Marques, ou ambos os apelidos (nem o nome completo sei, ao certo — era o pai de uma mítica bisavó Quitéria Francisca Pinto, uma extraordinária contadora de histórias, e poetisa repentista, que cantava ao desafio nas romarias e jogava o varapau, apesar de ser baixa e magrinha (com uns vivíssimos olhos azuis, a minha mãe ainda a conheceu, já com mais de 90 anos e achava-a muito engraçada). O Pai emigrante investiu num pequeno estaleiro para barcos do rio, com o capital que trouxe no regresso. Entre os descendentes há artistas, escultores, arquitetos (lamentavelmente não herdei esses talentos, que ficaram concentrados nos primos Marques). São evidentemente os que não retornaram que me dão as centenas ou milhares de parentes brasileiros, maternos Ferreira Ramos, Aguiar, paternos, os Capela da Foz do Sousa, que são inúmeros… Mas é aos que voltaram, que devo o facto de existir… O que me recorda uma resposta dada por Adriano Moreira a um dos numerosos intelectuais brasileiros militantemente anti-portugueses. Ele, no pós 25 de abril, emigrou (ou exilou-se), por poucos anos, do lado de lá do mar. Um dia num colóquio numa universidade, um desses nossos crónicos "inimigos" adjetivava os colonizadores portugueses de tudo quanto há de pior à face da terra, ao que Adriano Moreira, serenamente, ripostou: "Pode o senhor ter muita razão no que diz, mas está a falar dos seus antepassados, porque os meus nunca saíram de Portugal". Ele tem graça a contar seja o que for. O argumento, que não sei se era original, calou o homem, ao menos até ao fim do colóquio… Eu própria também calei, um dia, precisamente no Recife, um desses tontos, que proclamava, muito deselegantemente, na minha presença: "O que não seria o Brasil, se tivesse sido colonizado pelos holandeses!". "Sim, claro, seria como a Guiana holandesa, ou uma democracia tipo Indonésia, ou a África do Sul, do "apartheid", disse, com não menor convicção e com contundência também muito pouco diplomática. Mas não é esse o sentir mais comum dos brasileiros, que consegue resistir até à visão da colonização consagrada nos compêndios escolares. Precisamente no Recife tive várias deliciosas conversas com Gilberto Freyre e o filho (Paulo, se bem me lembro). O então Vice-Cônsul de Portugal, um emigrante rico e conceituado, era íntimo amigo dos Freyre. Durante uma das minhas visitas, organizada por ele, passámos uma tarde inteira numa sua quinta lindíssima, nos arredores da cidade. Foi particularmente divertido o convívio, porque recorri, com desusada frequência, a palavras proibidas — das que tomaram outros sentido do lado de lá… Confesso que um certo receio de dar entrevistas em direto no Brasil, por causa dessas particularidades… (nada que não aconteça dentro do nosso pequeno país, de norte para sul…). Curioso o argumento de que a rima de "Os Lusíades" denuncia a pronúncia de vogais abertas… Foi um dos que Óscar Lopes invocou. Quem também conheci, e em convívios bem mais prolongados, foi a irmã de Óscar Lopes, Mécia de Sena, então já a viúva de Sena. Estive em sua casa em Santa Bárbara, numa altura em que Maria de Lurdes Belchior lá residia (com uma bolsa ou em sabática, talvez…). Acho que foram dos dias mais felizes que passei na América! Santa Barbara é o paraíso, e, para mim, a casa de Mécia, sempre de portas abertas, com estudantes a entrar e sair, era a parte do encanto desse paraíso. Depois, passámos a trocar correspondência, mas, há alguns anos, deixei de receber notícias. Não esqueço, que, numa conferência em Lisboa, em que Saramago me criticou, no plano político, ela logo ergueu a voz para me defender bravamente, à maneira de Natália Correia, com quem, na Assembleia, tive sempre uma relação de amizade. Costuma dizer-lhe: "Dentro de um século, todos os deputados desta assembleia estaremos mortos, viva só a Natália". Continuo a pensar exatamente assim. E, depois que ela deixou o hemiciclo (ela e o Francisco Sousa Tavares), aquilo perdeu a graça, definitivamente… O conhecimento pessoal faz toda a diferença… em particular, no que respeita a pessoas que se situem em diferentes quadrantes políticos… Para Saramago eu era uma mera militante do PSD, ponto final. Para a Mécia, ou a Natália (com quem, aliás, nunca me achei em grandes divergências), ou o Dr. José Magalhães Godinho, ou Miguel Urbano Rodrigues (com quem, como é óbvio, politicamente divergia em quase tudo…) era simplesmente a Manuela. O Dr. Godinho foi o meu "tio republicano" que os tios de Gondomar não puderam ser, porque morreram quando era criança. Embora tivesse muito menos contacto com a mulher (filha do último chefe de governo da primeira República), ela sabia como ele gostava de mim e quis que ficasse ao seu lado no funeral (funeral não religioso, evidentemente — o velório foi na sede do PS, no Largo do Rato). Por acaso, quando do voto de pesar na Assembleia da República, fui eu que disse umas palavras, e de improviso. Foi estranho, não me terem dito antecipadamente, para preparar um texto. O Miguel Urbano Rodrigues era outro muito improvável colega de estimação — meu e do Pedro Roseta. Sempre nos preferiu aos deputados do PS, com quem não se dava, de todo… Era o único comunista da Delegação portuguesa e, a avaliar pelas suas intervenções, o único comunista "puro e duro" da Assembleia do Conselho da Europa… Orador extraordinário!… E tão nosso amigo (do Pedro e meu), que quando os nossos relatórios eram votados, na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (ou na AUEO, onde, em matéria de Defesa, as posições eram mais irremediavelmente antagónicas) a maior parte das vezes, saía, discreto, do hemiciclo, para não votar contra… Reencontrei-o em Espinho, por acaso, em 2010, quando veio à Feira do Livro apresentar um livro escrito a meias com a Catarina, sua última mulher (muito simpática e muitíssimo mais nova do que ele). É da última geração de bolseiros na União Soviética, por lá andou já em plena "perestroika" (que, tal como Miguel, considerava uma fatalidade…). Como, então, era vereadora da Cultura, convidei o Miguel para as mais diversas intervenções públicas, incluindo um debate com Pedro Roseta sobre o tema "Revolução ou reforma", que ficou na memória da cidade. Foi fantástico, com um público que cobria todos os quadrantes políticos, um pouco espantados com a cumplicidade entre os oradores, o revolucionário e o reformista — sem que qualquer deles cedesse um palmo de terreno ao outro… A pedagogia da amizade entre os opostos, que tanta falta faz no domínio da política! Miguel foi feliz com Catarina. Viviam em Gaia, na Afurada. Morreu o ano passado. Estive no funeral, evidentemente, mas só pude dar um abraço à Catarina e à Ilda Figueiredo… Não conhecia mais ninguém. Aparentemente, era a única não comunista presente… Embora o irmão seja o escritor mais famoso, eu prefiro o Miguel. Os livros são iguais às suas conversas, acabam sempre na História das terras e dos povos. Tenho a impressão que os livros dele, incluindo a autobiografia ("O espaço e o tempo em que vivi") estão esgotados. Nem nos alfarrabistas os tenho encontrado, para oferecer no Natal… Curiosamente ele e o Pedro Roseta, quanto mais recuavam no tempo, mais de acordo se viam. Face aos impérios do passado distante, a mesma visão crítica… Quanto aos da atualidade, nem pensar!!! Eu passava horas a ouvi-los, deliciada. Em Estrasburgo, éramos um trio frequente. Enfim, boas memórias… 15 de abril de 2018 Nos tempos que correm, do ponto de vista jurídico, a mulher tem os mesmo direitos que o homem no processo de transmissão dos seus apelidos. De algum modo, quase sempre teve, mas o peso da tradição reduzia a quase nada a hipótese teórica. No caso da bisavó Carolina Ferreira Ramos, após o seu protesto quando estava grávida do 3º ou 4º filho, todos passaram a ter como último apelido Ramos, porque disso cuidou o dedicadíssimo bisavô Mendes Barboza. Porém, nenhum dos filhos o transmitiu, todos foram "repescar" o Barboza… Entretanto a antepassada já não era viva, não podia protestar. Não é missão fácil, pois hoje em dia poucos têm sensibilidade para histórias de família. Mas há sempre um que, se bem informado, compreenderá, e tanto faz que seja homem como mulher… No que respeita ao nome Aguiar, nada disso está em causa, porque para trás do (meu) bisavô Manuel Aguiar nada sabemos — absolutamente nada. E desse Avó também há muito pouca informação, para além do facto de ter tido um batalhão de filhos e de gostar do seu jardim de rosas. Com essa vasta prole nunca tivemos relacionamento próximo, exceto com os Aguiar Saraiva, que eram mais irmãos do que primos, e, até à morte da Nucha, a pianista, filha do Tio Augusto Aguiar, com ela e os filhos (já morreram todos, há muito tempo). A Avó Maria, depois de enviuvar, manteve-se no seu círculo de amigos de solteira… Contudo, ela, a grande matriarca, adotou o nome Aguiar e, em sua memória, o vamos mantendo. A maior ativista tem sido a minha mãe. Convenceu os sobrinhos netos — netos da Carolina Aguiar, filhos do António José (os rapazes, o Carlos e o João Miguel) — a colocar, em último lugar, este nosso apelido. O João tem duas filhas, Madalena e Sofia Aguiar, o Carlos Manuel uma filha, Maria Luís e um filho Calos Manuel Aguiar. Mas mesmo os filhos da Teresa, que tem o nome do pai (Botelho Martins) em último, usam o Aguiar, como nome profissional, tal como na geração anterior, a mãe as tias Manuela (engenheira) e Isabel (advogada). Eu própria, faço o mesmo, fui a primeira a dar o exemplo. O meu pai nunca se opôs, bem pelo contrário. Havia quem lhe chamasse, aqui, em Espinho, Dr. Aguiar e ele achava graça, e dizia-me: "Se a burocracia não fosse tão grande, até adotava oficialmente o Aguiar". Na verdade, apresentar-me como "Dias Moreira", para efeitos práticos, é como usar um pseudónimo… Quanto aos Capela, também não sei situá-los… Havia mais contactos com os do Brasil do que com os de Portugal, porque o meu bisavô João Fernandes Capela rompeu com a família para casar com quem quis (a filha de um farmacêutico). Sempre ouvi dizer que eram da Sousa, da "quinta dos órfãos". Ontem procurei no Google a tal quinta… Nada de conclusivo. Há uma em Braga, mas não é dessa que se trata, com certeza! Esta família era de perto. Se não era da Sousa, seria de Gaia, ou de Gondomar… A mulher do antigo presidente da Câmara de Gondomar, Arlindo Neves, era destes Capela, fazia imensa questão nisso… Chegámos a combinar um almoço para ela me falar da ascendência comum (somos primas, segundo ela), mas nunca o concretizamos. Vou tentar localizá-la, através dos filhos do António, que são amigos do Arlindo. O meus bisavós Quitéria Francisca e João Dias Moreira só têm uma descendente, nascida no Canadá, e que se chama Chloe Angelica Randle-Reis (brilhante e bonita jovem, que fez, com distinção, os seu estudos na McGill e na London School of Economics). O nome desaparece comigo, neste ramo. Mas há outros, muitos, suponho, não os conheço. Eram primos por este lado, dois padres, um que foi Vice-Reitor da Universidade do Porto, nos fins dos anos 1980, outro Abade de Avintes, pela mesma época (ambos muito simpáticos). Magnífica tradução dos versos de Manuel Alegra! Em ambas as versões, os versos são sumptuosos!!! É um poeta grande, não o maior, mas muito bom (e como prosador tem um livro que eu já li, várias vezes, sempre com imenso prazer: "Cão como nós", sobre a vida e o sentir de um fantástico cão, que era dele e da Mafalda Durão Ferreira, com quem é casado). O Manuel Alegre foi meu colega e vizinho, em Coimbra (num prédio junto à penitenciária, em frente à república "rapa o taxo") e a Mafalda trabalhou comigo no MNE, como técnica e dirigente do Instituto da Emigração. Foi um dos PS que mais me apoiou na "questão da reciprocidade" de direitos políticos para os brasileiros. Quando a 1.ª tentativa de emenda constitucional foi derrotada, em 1989, ele ficou tão exaltado, que veio ter comigo, a gritar: "Estes tipos são todos loucos!". Eu não podia estar mais de acordo… Uma loucura, uma imbecilidade recusar um estatuto, que é único no mundo, único numa antiga relação colonial. A questão só viria a resolver-se em 2001, graças à compreensão, por parte de Durão Barroso, da gravidade da nossa repetida recusa em acompanhar a abertura da Constituição brasileira de 1988, e a uma violenta intervenção de Mário Soares, que fez braço de ferro com o PS de Almeida Santos (e tão amigos que eles eram, mas tão diferentes, também…). Xenófobo (se não mesmo racista), o Dr. Almeida Santos, a quem a experiência africana não abriu horizontes. Em 2000, o PSD (coisa rara) delegou-me a representação numa delegação da Assembleia da República que acompanhou o Presidente Sampaio às comemorações dos 500 anos da descoberta do Brasil. As celebrações foram, para usar a expressão com que o Dr. Mário Soares as classificou (na audiência da Assembleia da República — Comissão de revisão constitucional, CERC — em que defendeu a reciprocidade): "pífias". A nau que deveria chegar a 22 de abril a Porto Seguro, onde os Presidentes e comitivas aguardavam, não navegava (era de fabrico local, antes a tivessem encomendado aos estaleiros de Vila do Conde…), ali perto havia uma "manif" de sem-terra, a que os índios se juntaram e foram todos vítimas de brutalidade policial… O espetáculo de música e danças populares, que nos ofereceram era mau até pelos padrões da mais serrana aldeia de Portugal… Os Ministros dos Estrangeiros dos dois países assinaram um acordo que não tinha quase nada de novo, limitava-se a ser um compêndio dos tratados em vigor, despojados do seu melhor, que eram as notas introdutórias, em que se glosava a fraternidade (real) entre os dois países, tão justamente vertida nas leis… Enfim, um horror… O Ministro responsável pelas festas era italo-brasileiro e muitos do dirigentes das nossas instituições centenárias achavam que agiu de má fé em toda aquela "pífia" organização… Em S Paulo e no Rio de Janeiro houve umas exposições, com algum interesse, mas nada de especialmente memorável. De memorável, para mim, só as conversas que tive com Mário Soares (circulávamos pelas cidades numas carrinhas, com lotação para umas 12 pessoas, mais ou menos, e eu fui na de Mário Soares, e, frequentemente, ao lado dele. Não faltou tempo para nos concentrarmos no problema da reciprocidade. Também ele considerava que o único meio de dar a devida dignidade à efeméride, por parte de Portugal, era desencadear um processo de revisão extraordinário da Constituição, para consagrar o alargamento dos direitos dos Brasileiros e dos Portugueses no outro país, visto que, sem reciprocidade, o dispositivo não entrava em vigor no próprio Brasil (é um estatuto que confere todos os direitos da nacionalidade, por mera declaração, sem exigência de naturalização, mas com os mesmos efeitos jurídico-políticos). Combinámos encontros em Lisboa, na Fundação Soares, para preparar a iniciativa ainda no ano 2000… Não conseguimos. Os partidos não se moveram, o PS era contra — por influência de Almeida Santos, que mandava imenso, não sei bem porquê… E o presidente Sampaio sendo a favor, entendia não dever intervir. Por sorte, logo no ano seguinte, houve necessidade de uma revisão extraordinária da Constituição por outro urgente motivo — para o País poder aderir ao instrumento que criou o Tribunal Penal Internacional. Claro que os partidos aproveitaram para avançarem com outras alterações pontuais. Poucas, evidentemente. Eu propugnei, de imediato, a alteração do artigo 15, para resolver, de vez, o caso da "reciprocidade", mas no grupo parlamentar não colhi adesão. Até que tivemos a reunião final com o presidente do partido, Durão Barroso, e eu voltei a defender a urgência de dar resposta ao Brasil. Durão Barroso ficou do meu lado e foi quanto bastou para que ninguém se atrevesse a contestar a emenda proposta (isto é normal nos grupos parlamentares, quando fala um chefe com poder). Entretanto Mário Soares tinha-me assegurado que podia contar com ele a 100%, para tudo o que fosse preciso. Pedi-lhe um manifesto e ele recolheu as assinaturas mais impressionantes, de Sophia a Saramago. E, depois, sugeri que o chamassem às audições públicas da CERC, inventámos um motivo plausível. Soares era presidente aquando da criação da CPLP. O coordenador do PSD na CERC era o Marques Guedes, rapaz muito tratável ainda que um pouco cinzento. Tinha a maior dificuldade em acreditar que Mário Soares viesse defender incondicionalmente a reciprocidade numa sessão pública da CERC… Perante as minhas certezas absolutas, convocou o Dr Soares, foi a bomba atómica! Soares, foi Soares no seu melhor. A intervenção foi uma tremenda diatribe contra os inimigos da reciprocidade! Nem o amigo Almeida Santos escapou… E aproveitou para zurzir Jaime Gama, que ele detestava. O discurso foi tão violento que, quando organizei uma pequena publicação sobre o processo da reciprocidade, não me atrevi a publicar o discurso na íntegra… O PS cedeu logo ali, pela voz de Osvaldo de Castro. No dia seguinte, todos os jornais faziam "manchetes" com as frases mais sibilinas do fundador do PS, a derrotar a ala mais provinciana do partido. Foi uma vitória e um grande gozo. A longa guerra acabou ali. O voto, em outubro de 2001, foi unânime (houve uma abstenção de Medeiros Ferreira, que não teve a ver com aquela matéria — absteve-se em todo o processo revisional e disse-o inequivocamente). Quando o Dr. Soares se candidatou à eleição para Presidente da República, quatro anos depois, como podia eu não o apoiar, na primeira linha de batalha? Escrevi uma carta a Cavaco, a explicar que estava com o Dr. Soares por uma "questão de reciprocidade". Cavaco não achou graça nenhuma. Nunca mais falámos. Limitámo-nos a um civilizado cumprimento, uma vez que ele visitou Espinho — era eu vereadora… Agora, a probabilidade de me cruzar com ele é ínfima. Cavaco é um homem centrado em si e na divina predestinação que levou o modesto rapazinho de Poço de Boliqueime ao palácio presidencial — ao pináculo da glória, segundo ele. Il ne pense qu'à ça"… O meu pai nunca mais recuperou do choque de um primeiro e último contacto com Cavaco Silva, que até aí ele admirava muito… Tinha-o apresentado ao General Eanes, na festa do centenário do Futebol Clube do Porto, no pavilhão das Antas. Eanes, simpaticamente, disse: "Gosto muito da sua filha, É das poucas pessoas que anda na política para trabalhar". O meu pai gostou. Acho que se tornou Eanista, e cada vez mais… Algum tempo depois, no final de um comício do PSD, no Porto, apresentei-o ao Prof. Mota Pinto, que lhe disse, com ar de grande cumplicidade: "Com que então é o pai da nossa Manelinha?". O meu pai ficou encantado. Quando o apresentei a Cavaco, durante um almoço partidário na praia da Madalena, ele esperava, naturalmente, um comentário qualquer. Aníbal apertou-lhe a mão, com um mero: "Como está?" Sem sorrir… O meu pai ficou, definitivamente, desencantado… Nestes tão breves encontros, cada um dos três políticos conseguiu dar uma perfeita imagem de si… 16 de abril de 2018 Eu fiz o curso entre 1960 e 1965. Outro nosso colega, que, neste período, terminou o curso de Direito, alguns anos depois de ordenado e formado nas primordiais teologias, foi o antigo arcebispo de Braga, D. Eurico Dias Nogueira. Não sei aonde nos poderemos ter cruzado — talvez nas assembleias magnas, que eu frequentava, e aonde o Manuel Alegre era o melhor dos tribunos! Achava-o parecido com o Gérard Philipe… Creio que deixou Coimbra em 1962 ou 63, em rota para África. O cunhado, o famoso músico e guitarrista António Portugal, colega de toda a gente, foi tirando Direito ao longo de mais de 20 anos. Grande boémio e homem encantador. Era casado com a Teresa, irmã do Manuel Alegre. Enquanto a minha relação com Manuel Alegre se limitou a algumas conversas, no caminho para a faculdade, com António Portugal era de verdadeira amizade, Íamos muitas vezes, o meu "ex" e eu, a casa dele e da Teresa, ouvi-lo tocar. Era exímio!!! Creio que formava um casal feliz, mas ela era reservada, nunca fomos íntimas. Vim a encontrá-la, muitos anos depois, na Assembleia da República, como deputada do PS — em Coimbra não parecia ter vocação para isso… Com o Bispo, ou Arcebispo, convivi bastante, no tempo em que eu estava na Secretaria de Estado e ele era, na Conferência Episcopal, o responsável pelas migrações. Ele ainda se lembrava de mim, de Coimbra, embora não fossemos do mesmo ano (quando eu começava ele terminava o curso, como voluntário), talvez porque eu tivesse sido frequentadora do Centro Académico de Democracia Cristã. Convidavam-me, exatamente como para reuniões do Graal, para terem uma voz discordante nos debates. O Graal estava a ser, então, lançado em Coimbra — foi assim que conheci Pintasilgo, Manuela Silva e Teresa Santa Clara Gomes, a minha preferida (era a n.º 1 dessa organização católica, mas muito mais discreta do que a Maria de Lurdes). Com o D. Eurico aconteceu, em Braga, durante um Dia das Forças Armadas, um episódio curioso… Como o Victor Crespo não tinha feito serviço militar, evitava, prudentemente, as cerimónias militares, não fosse cometer alguma "gaffe". Comigo, não se punha esse problema, sendo mulher, qualquer pequeno erro cerimonial, era desculpável. Ia, pois, em sua representação, ocupando o lugar da Assembleia da República, protocolarmente, o segundo, o que significava que era a penúltima pessoa a chegar, antes do Presidente da República (na altura, Mário Soares). Na tribuna, estavam já os militares de alta patente e o Primeiro Ministro. Por esse tempo, já se tinha generalizado o cumprimento de um ou dois beijos e, nos minutos em que esperávamos Soares, eu assim fui cumprimentado a primeira fila dos presentes — até ao último. Distraidamente, como sempre, só "ex post facto" reparei, com um sentimento de pânico, que também tinha dado dois beijinhos ao último, que era o Arcebispo!!! Fiquei, por um lado, envergonhada, julgando absolutamente impróprio um tão frívolo cumprimento público ao Primaz das Espanhas (segundo a tese portuguesa, suponho), e, por outro lado, com receio de ter sido filmada no que considerava a maior "gaffe" da minha vida… Um horror, se a TV transmitisse as imagens, em direto, para o país inteiro. Medo infundado, as câmaras estavam focada nas tropas, graças a Deus. Algumas semanas depois, reencontrei D. Eurico em Chão d' Éguas, numa inauguração (ele é daquela zona). Preparei-me para reparar o meu infortunado gesto anterior, beijando a anel episcopal… D. Eurico não permitiu, tomou a iniciativa de me dar dois beijinhos… E assim nos passámos a saudar. Já antes, quando estava de partida do governo (o 1.º de Cavaco e o meu último) numa visita de despedida à Delegação de Braga, cujo diretor era muito dinâmico (e próximo dele), D. Eurico fez a surpresa de vir às modestas instalações da emigração, conversar comigo. Disse-me que também estava em vésperas de deixar o "pelouro" das migrações e, assim, ali fazíamos uma despedida conjunta. Anos mais tarde, reencontrei-o na Terceira, numa reunião da pastoral das migrações (interessava-se pela problemática, embora já estivesse aposentado ou jubilado (não sei qual o termo mais canónico…). Havia numerosos bispos naquela conferência, entre eles o D. Januário (meu colega em Paris, em 1968/70) e o dos Açores. Durante um jantar festivo, numa associação de folclore, o rancho chamou os senhores bispos e os outros participantes ao terreiro, onde se exibiam, e todos bailamos numa dança de roda (o meu curriculum foi, assim acrescentado com um novo ponto: dançar com bispos católicos). Muito bem disposto, D. Eurico gracejava: "Não sei se os outros Bispos vão sofrer sanções, eu não, que já não estou no ativo". Era um coimbrão de alma, o D. Eurico! Nos meus anos de política, as minhas relações que mantive com a Igreja, tal como com a instituição militar, foram invariavelmente boas, embora não seja particularmente devota, e, muito, menos, militarista. Uma vez o Medeiros Ferreira comentou: "A Manuela tem muitas ligações ao Vaticano". Fiquei muito espantada. "Ao Vaticano? Nem pensar! O Vaticano é uma potência anti-portuguesa, nem sequer sabe valorizar o nosso papel histórico. Eu detesto o Vaticano!". (É verdade, detesto o Vaticano, embora não necessariamente os Papas, tendo grande devoção por João XXIII e, agora, por Francisco). Ainda furiosa, fui contar o teor de tão insólita conversa ao Doutor Barbosa de Melo. Ele riu-se imenso e explicou: "Vaticano é o nome que a maçonaria dá genericamente à Igreja". Não sei, acredito que sim, porque Barbosa de Melo era um homem enciclopédico, sabia de tudo… E se o Medeiros Ferreira falava do meu excelente relacionamento com a Igreja, em especial nas comunidades portuguesas, que muito devem, no plano da cultura e do ensino da língua, às missões católicas, então estava certo… Colaboraram sempre comigo, e reciprocamente, incluindo a nível do "Conselho das Comunidades Portuguesas", que fui incumbida de criar logo em 1980 — a minha primeira tarefa de monta no governo de Sá Carneiro… Como o Conselho era composto por representantes de associações e as paróquias do estrangeiro têm, muitas, presença forte no ensino, e algumas, também, no desporto, na música e dança. no apoio aos idosos, etc. etc., foram consideradas para integrar, se assim o desejassem, o círculo eleitoral, em cada país. E, curiosamente, houve padres em representação de países como os EUA e o Canadá (onde são particularmente ativas dentro das comunidades), na Venezuela, na Austrália, na Inglaterra e na França. Na França o padre era comunista e uma larga percentagem dos outros eleitos, também… Causaram os maiores distúrbios, a mando da Intersindical, que como outras associações de trabalhadores e patronais, tinha assento no Conselho, ainda que sem direito de voto. Da parte deles não havia boa fé, vinham para usar o palco mediático e para destruir. Foi obra ter chegado ao fim com cerca de 100 recomendações aprovadas por consenso. Aquilo começou mal, nas salas de espelhos e talha dourada do Palácio Foz, mas acabou bem… A presidência do Conselho, inspirado no modelo francês, que foi igualmente o paradigma para todos os organismos consultivos que. depois do nosso, surgiram na Europa, pertencia ao Governo — ao MNE. O MNE delegou, evidentemente, na Secretária de Estado. Durante a reunião estive ocupada, quase não falei com o Dr. Gonçalves Pereira, que era, então, em 1981, o MNE. No fim fiz-lhe um relato animado de todas as peripécias ocorridas, em que os padres tiveram um papel de mediação importante. Eu nem reparava que havia no relato tanto sacerdote, mas ele muito atento comentou: "Já percebi. Quem lhe salvou o Conselho foram as hostes do Cardeal Medeiros!" (il y avait du vrai…). O Gonçalves Pereira, que ficou famoso sobretudo por ter dito que o que ganhava como ministro mal dava para os seus charutos, era um homem com mau feitio e muito impulsivo, em alguns aspetos, parecido comigo e, talvez por isso, encontrámos um "modus vivendi" que resultou em paz construtiva… Era preciso dar-lhe resposta pronta e contundente. Assim por exemplo, como tinha decidido, sem lhe dar conhecimento, negociar a passagem da presidência do órgão para um emigrante eleito pelos pares (o que logo predispôs os mais esquerdistas para os extraordinários consensos alcançados), ele lançou-me um remoque: "Com que então retirou-me a presidência do Conselho?". Respondi: "Sim, em princípio, sim. E isso, pessoal ou institucionalmente, faz-lhe alguma diferença?", Ao que ele, de imediato, respondeu que não. Mas, ai de mim, se tivesse titubiado!… Era um homem superiormente inteligente, mas cabotino… No dia em que foi declarada a guerra das Malvinas, partiu para a América, de férias — há muito programadas. Um jornalista no aeroporto ter-lhe-á perguntado: "O Sr. Ministro vai de férias, agora, em tempo de guerra?" E ele: "Guerra? Qual guerra?". A história correu, sem fazer estragos (eram outros tempos, nos de agora não resistiria ao escândalo — ou teria dado uma boa desculpa…). Sempre me dei melhor em governos de coligação, com um ministro do outros partido (Freitas do Amaral, na AD, e Gama mo Bloco Central) do que com este Gonçalves Pereira e, por fim, com o pior de todos, o Engº Pires de Miranda. No MNE, chamavam-lhe "o petroleiro". Constava que era um negociador de petróleo ao nível a que se recebe comissões. Só mesmo o Cavaco, para escolher um tipo destes para chefiar a diplomacia… E era muito estúpido, ou, pelo menos, ignorante! Chamava Rússia à União Soviética, em discurso público… Não sabia falar com embaixadores, cortava o mal pela raiz, não os recebendo — nem os estrangeiros, nem os portugueses… Escrevia despachos a lápis… a que eu contra argumentava com longas diatribes, a esferográfica preta, que resulta melhor em fotocópias… As minhas guerras com ele foram fatigantes. Cortou-me o magro orçamento, como vingança. Apresentei pedido de demissão por escrito, com ultimato — ou me reconstituía o orçamento ou eu me ia embora. Restituiu… Quando o governo, que era minoritário caiu, chamou-me para me "agradecer a colaboração", com palavras simpáticas e falsas, não resisti a responder com palavras duras, em ar de brincadeira. Ele sabia que era a sério. Foi o meu último governo… Seguiram-se quase vinte anos de parlamento… […] Foi uma intervenção cívica, que é o plano de intervenção com que mais simpatizo. Tentei, também, agir, sobretudo nesse plano, de uma política de princípios, o que me foi facilitado nos 13 anos de Conselho da Europa (onde havia inteira liberdade de iniciativa e de voto) e de círculo de emigração, (onde também o partido me dava praticamente campo livre). As minhas divergências com o PSD, noutros campos eram muitas… O Durão Barroso, que tem melhor memória do que eu, uma vez, em que numa roda de dirigentes do PSD Aveiro, conversávamos sobre as minhas "heterodoxias" contou mais de dez, todas sonantes. Os outros estavam espantados, nós os dois divertidos. Sobre uma das discordância maiores — a guerra do Iraque — tivemos também uma discussão insólita, numa reunião na nossa embaixada em Estrasburgo. Estava toda a comitiva de Durão Barroso, na sua visita oficial, toda a delegação portuguesa à Assembleia Parlamentar do Conselho Europeu e o pessoal diplomático. Eu abri a conversa com um: "Venho de uma Comissão, onde estive a defender teses, que não lhe agradam nada. Nem lhe conto…". É claro, ele insistiu que contasse… fiz-lhe a vontade… Iraque!… Com os demais presentes (incluindo o Embaixador Paulo Castilho) em profundo silêncio, fizemos as despesas da conversação. Do geral, chegámos, sempre em discordância, ao individual, a Sadam Hussein. Lembro-me ter afirmado que a grande vantagem de Sadam era não ser um homem religioso, ser um homem sem fé… E ele, muito admirado: "E a Manuela acha isso bom… não ter fé?" E eu, com toda a convicção: "É óbvio que sim. Naquele região do mundo é o melhor que pode acontecer. Todos os problemas ali nascem do excesso de fé…". E por aí fora, continuámos… Eu era, então, por escolha dele, a presidente da delegação portuguesa e um dos representantes do PSD, um prof da Universidade de Vila Real, Nazareth qualquer coisa [Pereira], mostrava, até então, um visível desconforto com as minhas posições no hemiciclo. Bom homem, não queria denunciar-me ao chefe máximo, andava atormentado, sem saber qual a sua obrigação, coitado… Depois daquele meu diálogo com o "chefe" Barroso, ficou aliviadíssimo. A partir daí, tornou-se "um de nós", com o Pedro Roseta, o Fernandes Marques (irmão do pintor José Guimarães) e os outros. Cada um fazia o que julgava correto — ele, Nazareth. sempre alinhado com a linha oficial do partido, e "in loco" com a do Partido Popular Europeu. Eu, sempre contra. Estranhamente, ou talvez não, o Partido Popular Europeu fez questão de ser eu a relatora da proposta mais "política" do ano, que era iniciativa do presidente do grupo, um holandês de direita, pura e dura, chamado Van der Linden, por essa altura guindado à presidência da Assembleia Parlamentar do Conselho Europeu: a condenação do comunismo totalitário. Eis que, por fim, eu podia estar de acordo com ele, e com o grupo, nalguma coisa de substancial… Mas o governo de Santana caiu, eu declinei uma recandidatura à Assembleia da República, em 2005, e não pude levar a bom termo a defesa de tão meritório projeto. Não sei o que lhe aconteceu, posteriormente. Espero que tenha sido aprovado, pois o totalitarismo estalinista/ leninista era o único não condenado pelo Conselho da Europa, ao contrário do fascismo ou do nazismo… 18 de abril de 2018 Que saudades eu tenho da capa/batina, quando não era conotada com estas intoleráveis medonhas praxes de agora… Gostei muito das fotos! Não reconheceria a Adelaide sem a legenda. Ela era, como dizem no Brasil, "gente boa", exatamente como a irmã, a Elvira, que é de direito (mais nova do que eu) e trabalhou comigo e com a mulher do Manuel Alegre no Instituto de emigração. Deliciosas as histórias do D. Eurico, sempre a dormitar nas sessões (como Mário Soares, não raramente…). Nos últimos tempos, o Bispo envelheceu rapidamente, mas continuava conversador e descontraído — ficou-lhe o jeito da passagem por Coimbra. João de Deus Pinheiro é mais um "artista" do que um "cientista", mas não deixa de ser encantador no convívio. Idem se diga da mulher. As histórias do Cavaco, do processo, etc., não são boato. São verdade histórica… 19 de abril de 2018 Se me dessem a escolha entre nascer ou não, eu votava "Não!", porque acho que não vale a pena viver tão pouco à face da terra e não tenho a certeza de que o céu me acolha, após a morte… Fui sempre militante anti-tabagista e só fumei por brincadeira. O que é quase um milagre, porque tendo sido feminista desde a mais tenra infância, deveria ter reivindicado a igualdade de fumar, em relação ao sexo mais fumador (ao tempo… não agora). Em nome da igualdade, o meu último ato de fumar aconteceu há cerca de 25 anos, no Funchal. Tratou-se não de um vulgar cigarro, mas de um charuto cubano. Aconteceu durante uma receção que o Presidente do Governo Regional Alberto João Jardim ofereceu aos ilustres visitantes, Sus Alteza Real Dom Duarte de Bragança e a Sua Majestade o Rei Goodwill Zulu, na Quinta Vigia. Um magnífico banquete. Enquanto tomávamos o café, circulavam entre os grupos que informalmente se distribuíam pelo salão, caixas de charutos para que os senhores se servissem. Comentei, em voz audível: "É curioso, não oferecerem charutos às senhoras". Logo acorreu, solícito um dos empregados, a emendar a omissão… e eu tirei o charuto que me era devido, e fumei-o (expelindo cuidadosamente a fumarada…) até ao fim. A certa altura, vi-me de braço dado com Alberto João Jardim, cada qual com o seu enorme charuto, sob o sorriso divertido do rei Goodwill. Um dos fotógrafos presentes quis tirar-nos o retrato. Era um amigo do jornal "O Século de Joanesburgo" (a visita incluía uma larga comitiva de madeirenses da África do Sul), pelo que não fiz oposição, mas preveni: "Pode tirar à vontade, mas não publicar, por uma única razão: eu perderia toda a minha credibilidade como militante da campanha anti-tabagista". Julgo que ele respeitou o meu tabú… Era um homem muito engraçado. Durante a visita que no ano anterior eu tinha feito na "comitiva" do Duque de Bragança a vários países do sul da África, foi um companheiro constante, sempre de máquina pronta a disparar. A certa altura disse-me que eu lhe estragava metade das fotos, porque ficava de olhos fechados. Passei a tomar muita atenção e a olhar sempre a câmara de frente, E, uns dias depois, perguntei: "Então, Luís, agora tenho-me portado melhor?" Ao que respondeu: "Não, Dra., agora é muito pior, fica de olhos arregalados!". 20 de abril de 2018 Encontrei no caos da minha documentação, algumas fotos da visita à África, em companhia de Dom Duarte Pio — encontros com os Reis dos Zulus e da Suazilândia e Pik Botha, no baile das debutantes da Sociedade de Beneficência… O Rei dos Suazis, neto de Shobusa, recebeu-nos em pleno "Conselho do Reino, e, por isso, está com as vestes tradicionais. Creio que é licenciado por Cambridge, ou Oxford… O Rei Zulu acolheu-nos com tal hospitalidade, que prolongado o banquete e a conversa, acabámos por perder o avião de Durban para Capetown… Pik Botha era um homem encantador e o mais fantástico dos oradores. Conheci-o em Lisboa. [Jaime) Gama não quis oferecer o almoço a um Botha, ainda em tempo de apartheid (1984 ou 85), e delegou em mim essa duvidosa honraria. Foi pouco protocolar, mas Pik Botha não deu sinal de constrangimento. Foi uma conversa cordialíssima e mesmo descontraída (com Gama não teria sido…). Ele tinha grandes amigos entre a elite portuguesa da República da África do Sul. Por isso, estava presente no Baile da Sociedade de Beneficência. Era Embaixador o [José] Cutileiro, que se dava comigo "como Deus com os anjos", mas nem eu consegui convencê-lo a deixar o Dom Duarte subir ao palco e discursar. É um republicano empedernido, fundamentalista… Queria que eu falasse (era Vice-Presidente da Assembleia da República…), o que declinei. Só falaria, se o D. Duarte falasse, é claro. Pik Botha, percebendo a antipatia do embaixador pelo príncipe, não sabia como o havia de tratar publicamente, no discurso, e, prudentemente, em vez de perguntar a Cutileiro, perguntou-me a mim… Sugeri que usasse o tratamento que Mário Soares sempre lhe dava: "Alteza Real" E Botha assim fez. Também encontrei fotos com Natália, com Sousa Tavares e com Amália, de quem gostava imenso, e não só como artista, como pessoa…". No Brasil, com José Aparecido, outro inesquecível amigo, o mais interessante é a linha de fotos de parede, onde Marcelo Caetano tem lugar ao lado dos presidentes da democracia… Só mesmo no Brasil, entre portugueses… Constatei a paixão que Nassau ainda desperta em Recife — foi um caso de sucesso, que não se repetiu na Indonésia, nem em Malaca, onde os Portugueses são bem mais queridos do que os holandeses, nem na República da África do Sul. Claro que entre os "boers" havia alguns brilhantes, como Pik Botha — um progressista, que contribuiu para o fim do apartheid, tal como o presidente Botha — mas eram a exceção à regra. Absurda a nova política dos monumentos nacionais de fazerem dinheiro em qualquer circunstância, sem distinção de atos culturais e eventos lucrativos… 24 de abril de 2018 Como é possível o Museu Soares dos Reis não agradecer, de imediato, a doação? Incompetência, estupidez, prepotência, sem dúvida. Mas não creio que seja apanágio do género… O que acontece nessas coutadas femininas também se passa em outras dominadas pelo "sexo-padrão"… O ideal é, realmente, o equilíbrio. Não resolve a questão de fundo, mas pode ajudar. A "coisa pública" está mal entregue, numa generalidade de casos, é verdade (pior só a banca). E, comparando com o que se passava nos tempos em que havia diretores-gerais vitalícios, o nível terá baixado dramaticamente. Agora, muitas das nomeações são partidárias, de gente nova, sem experiência e de uma ignorância radical. Uma vez, a propósito de uma situação que envolvia a atual vaga de altos dirigentes tão mal preparados, Adriano Moreira citou um ditado antigo: "Desconfiai de paredes velhas e autoridades novas… Caiem-nos sempre em cima!". (Os ditados antigos de Adriano Moreira são sempre fabulosos, mas, às vezes, fico com uma vaga impressão que podem ser de sua autoria, ou, pelo menos, constituem versão muito melhorada!). Em rigor, só não mudou a instituição "cunha". Ontem como hoje, quase nada se consegue sem ela — sobretudo o que é de elementar justiça!… Estou de novo a fazer as malas para ir, precisamente para a capital (quando digo malas, refiro-me mais a dossiers e papeis, pois volto no último comboio). 27 de abril de 2018 Finalmente, hoje, véspera do "dia do trabalhador", pude descansar de uma série de tarefas pequenas (que me fazem sempre lembrar a desgraça de Sísifo), como enviar mensagens a jornais e associações da emigração, na data dos seus aniversários, relatos sobre o colóquio de Monção, artigos sobre figuras da emigração (como Carlos de Lemos — o nosso extraordinário cônsul honorário de Melbourne). Foi muito interessante a participação dele no colóquio luso-brasileiro de Monção. Apresentou a autobiografia respondendo a perguntas de alunos das escolas da cidade sentados à sua volta no palco do auditório da Escola Profissional do Alto Minho Interior. Foi um sucesso! Num dia em que se falava de muitos ilustres emigrantes monçanenses, do passado distante ou relativamente próximo, ele era o único herói vivo, que podiam questionar livremente (embora eu suspeite que a maioria das questões tenha sido preparada pelos professores…). O mais curioso é que o Dr. Lemos, que viveu largos anos em três continentes e que, em trabalho combinado com passeios, deu, mais do que uma vez, a volta ao mundo na companhia da Molly, nunca esteve no Brasil! A travessia do Atlântico foi sempre feita pela América do norte, onde a Molly, que é sul-africana, de origem escocesa, tem família emigrada. Carlos e Molly são da mesma idade (92 anos) e sempre que viajam das antípodas, o que acontece quase todos os anos, passam aqui cerca de dois meses. Grande parte do tempo em Espinho, no apartamento de uns amigos, pelo que nos encontramos nas simpáticas esplanadas desta terra. Mas desta vez, o apartamento estava ocupado e eles procuravam hotel no Porto ou na Foz. Disse-lhes que tinha um apartamento perto da rotunda da Boavista, embora ainda cheio de caixotes por abrir, e ele aceitou descontraidamente ficar lá — como antigo topógrafo está habituado a acampamentos… É claro que tive de ir arrumar a casa, com a ajuda de um casal de primos de Gondomar, que são eficientíssimos — passámos lá o sábado, ela a limpar a casa, ele a pendurar quadros nas paredes e eu a dar opiniões. Os caixotes sobrantes foram colocados num quarto, que passou a ser "de arrumações" e o apartamento ficou mais apresentável… Na 6.ª feira, em Lisboa, almocei e conversei longamente com os amigos do Uruguai, de quem gosto imenso (tal como com o casal Lemos, amigos há quase 40 anos!). Ele é alentejano, ela asturiana, e são o que, no tempo de Cavaco, se chamava "emigrantes de sucesso". A Josefa é "trinacional", e acho que gosta tanto ou mais de Portugal do que de Espanha — foi ela que criou o rancho folclórico da "Casa de Portugal" de Montevideo. Para além da dança também é uma adepta do futebol, como eu, mas enquanto ela gosta sobretudo de jogos de Seleção (descobri, com agrado que torce, acima de tudo, pelo Uruguai!) eu sou definitivamente uma mulher de Clube. Para mim, o Futebol Clube do Porto é a minha primeira paixão e Portugal a segunda. Sou, neste campo, uma discípula do grande parlamentar amarantino, que dizia: "Portugal é a minha Pátria, mas o Porto é mais a minha Pátria do que o resto do país" (não que ele se referisse a futebol, claro, mas o argumento vale em qualquer domínio…). A propósito, recordei-me de um episódio passado com um antigo embaixador do Uruguai em Lisboa, no ano em que o Futebol Clube do Porto ganhou o mundial de clubes (Taça Intercontinental) contra o Penarol de Montevideo, num jogo lendário, disputado sob uma tempestade de neve (era inverno rigoroso, no Japão). Poucos dias depois, encontrei esse diplomata (não de carreira, antigo ministro e senador, muito distinto, muito comunicativo, homem encantador — só não me lembro do seu nome), na Embaixada da Índia. Ele avançou para mim, de braços abertos a declarar, alto e bom som: "Manuela, parabéns, estou feliz com a vitória do Porto!" Eu fiquei paralisada de espanto (enquanto pensava, sem exteriorizar as dúvidas: "Estarei enganada? De que país é ele? Paraguai? Chile? Perú?)". O meu espanto deve ter transparecido, porque ele explicou-se: "Yo, soy siempre contra Penarol". Até o compreendia, porque também "yo soy siempre contra Benfica", mas, se fosse embaixadora de Portugal, julgo não me atreveria a proclama-lo assim, em público… Guardo montes de papel, em estado caótico. Guardo o que interessa e o que não tem interesse nenhum. Quando morrer, vai tudo para o lixo. As únicas pastas ordenadas são as de recortes de jornais. Nos gabinetes, eram as secretárias que os compilavam e, depois, eu continuei. Só uma pequeníssima parte está digitalizada, pois. embora seja uma operação simples, é muito morosa. Nem as fotos estão, na maioria, digitalizadas. As que estão, são fáceis de encontrar, porque as catalogo cronologicamente. Quanto a televisão, quando estou sozinha em casa, perco muito tempo à frente dos ecrãs… Vejo sempre: "A quadratura do círculo", "O Eixo do mal", "O princípio da incerteza", "O Governo sombra", os programas de futebol, quando o Futebol Clube do Porto ganha… E gosto imenso de ver as séries da Fox Crime — as inglesas, que têm sempre excelentes atores. Ultimamente, há uma bem divertida "New tricks", mas tenho saudades da qualidade de "Endeavour", "Morse", "Lewis", "Vera" e até de Poirot e miss Marple… E o pior é que adormeço, frequentemente, ao som da "CNN versus Trump". 1 de maio de 2018 Eu também me propunha oferecer à Câmara de Gaia um casa antiga na ribeira de Avintes, que foi dos meus bisavós paternos (e talvez até de anteriores antepassados). O presidente da Câmara, que é um professor da Faculdade de Letras (sociólogo), muito simpático, esteve lá, pareceu interessado em a aproveitar para um pequeno museu do ciclo da broa de Avintes — sendo uma casa agrícola, em que o milho era produção substancial, achei bem. Durante anos, não disseram mais nada, agora, que a área, a ribeira, está, finalmente, a ser dotada de infraestruturas, abordaram-me, de novo, através do presidente da junta de freguesia… É um conjunto rural, de pedra, com um espigueiro grande, muros altos, que acompanham a curva da rua do Paço, e a casa é composta por uma parte antiga (séc. XVII?) e outra mais moderna, concluída pelo meu bisavô em 1901. Precisa de intervenção… Se não for para a frente a doação, talvez eu avance para obras e possa adaptar a casa, os anexos, celeiros, etc. a turismo rural. O que me assusta é a burocracia! Os meus primos de Gondomar, da geração posterior à minha (os netos da Tia Carolina), não têm grande vocação para negócios. Sabendo do mau uso ou abuso do património doado, quando da minha experiência autárquica, como vereadora da Cultura, aqui em Espinho, insistia sempre com os doadores para imporem condições no contrato com a Câmara, prevendo a reversão em caso de incumprimento (embora no estado em que está a Justiça, todas as garantias sejam poucas…). Chamava-lhes a atenção para a nossa tradição de desleixo e para o facto de não se poder nunca confiar nos vindouros… Lembro-me, em especial, do caso da doação de dois magníficos violinos Capela, por dois dos filhos do famoso "luthier" de Espinho (não o que, comercialmente continuou o ofício do pai, mas os outros, um dos quais, doutorado em engenharia, é, também, um digno sucessor do artista). Insisti que ficassem assumidos pela Câmara os compromissos com as condições de segurança, temperatura ambiente, utilização periódica, etc., etc. Enquanto lá estive, tudo bem, incluindo a organização de quatro concertos por ano, pelos mesmos violinistas que a família Capela convidara para a inauguração (esplêndidos — o Forum de Arte e Cultura, que recebeu os violinos, tem ótima acústica). Desde que me afastei, acabaram os concertos… Tenho uma experiência, na Suécia, que evidencia precisamente o comportamento oposto… Numa das visitas a Estocolmo, a convite da Ministra da Imigração Anita Gradin, ela ofereceu-me um jantar numa vivenda esplêndida, no centro da cidade. Tudo magnífico, tanto o jantar propriamente dito, a hospitalidade, como o "cenário". Um ambiente de casa com vivências… Uma biblioteca fascinante, belos quadros, piano… Em resposta a um comentário elogioso, a Anita contou-me que se tratava de património do Estado, muito utilizado pelo protocolo, doado por um milionário, um magnata da imprensa, editor do maior jornal sueco (Dagensblatt??), que tinha decidido oferecer a casa, tal como a habitava, com as mobílias, os quadros, os tapetes, as valiosas primeiras edições de livros — tudo com a condição de não alterarem absolutamente nada — nem um livro podem retirar do seu lugar na estante! e o Estado cumpre, religiosamente… Com essas informações da minha anfitriã, concluí que o editor só podia ser o pai (padrasto) da Snu [Abecassis]. Estava na sala de jantar onde a Snu se sentara, quotidianamente, em família… Não a conheci bem — encontrei-a meia dúzia de vezes em receções e não troquei com ela muitas palavras. Era linda, discreta, parecia tímida — ao contrário de Sá Carneiro, com quem eu conversava sempre animadamente. Ela ouvia. O primeiro encontro foi num jantar de gala no Palácio da Vila, em Sintra. Uma noite invernosa! Os dois casais, Sá Carneiro e Snu, Freitas do Amaral e Mª José, recebiam os convidados à entrada, os quatro (talvez porque Snu levantava um problema "protocolar", e o casal Freitas mostrava, assim, uma solidariedade, que foi constante). Eu, já depois de ter deixado o casaco de peles no vestiário, cumprimentei-os e fiquei conversando, enquanto não chegava o convidado seguinte — embora o átrio estivesse de enregelar e o meu vestido fosse de um diáfano "chiffon". A primeira coisa que a Snu me disse foi uma observação muito prática e útil: "É melhor entrar, se não constipa-se!". É isto que eu aprecio nos nórdicos — o bom senso. Creio que ela exerceu uma influência muito positiva em Sá Carneiro, ideológica e não só. Agustina retrata-o de uma forma atroz nos seu livro "Meninos de ouro" — levada, suspeito, pela amizade com Isabel, e pela sua versão de uma história com unhappy end… Eu sou uma "devota" de Agustina, que tive a sorte de conhecer, em longas conversas, mas o "seu" Sá Carneiro é pura ficção, sem nada a ver com o político real (opinião minha, é claro). Natália Correia, neste caso concreto, foi melhor profeta… Snu era dinamarquesa, mas viveu em Estocolmo desde criança, depois do 2.º casamento da mãe e gostava muito do padrasto. O meu contacto inicial com a Suécia foi em 1971 — num curso de verão organizado pelo Instituto de Informação e pela Universidade de Uppsala para participantes de língua francesa ("Connaissance de Suède" ). Excelente promoção do país, destinado a quadros, funcionários, professores, etc., dos mais diversos países da Europa. Candidatei-me e fui aceite. Só não pagavam a viagem. Instalaram-nos num centro de formação de um sindicato, em Lidingo, nos arredores de Estocolmo — simples e confortável. Tudo excelentemente organizado — alternando aulas com visitas à cidade, a museus, a estúdios de cinema e televisão, encontros com sindicalistas, políticos, debates sobre políticas (por exemplo, ensino, ambiente, questões sociais, emigração, igualdade de género…). Inesquecível a visita a uma paróquia luterana, escolhida porque era a primeira de grande importância entregue a uma mulher. Curiosamente, a coadjutora era também uma mulher, que parecia (e seria…) extremamente jovem. A "sacerdotisa" impressionou-nos imenso, contou-nos as dificuldades que teve de superar numa paróquia bastante conservadora, deu-nos a sua visão do mundo e da religião (uma precursora do discurso do futuro Papa Francisco…). Os franceses, que eram o grupo predominante, não se mostravam convertidos nem sensíveis ao que me parecia a superioridade dos modelos nórdicos (e, em especial, da social-democracia sueca, então no seu apogeu). Eu era a mais entusiasta de todos os participantes… Dei várias entrevistas, a elogiar a democracia sueca, a ponto dos organizadores manifestarem preocupação com o que poderia acontecer-me no regresso a Portugal. Não tive receio nenhum. Não acreditava que a PIDE se interessasse pelas minhas entrevistas, e, em qualquer caso, a Suécia não era a Rússia soviética, era um excelente parceiro na EFTA. Mas apercebi-me de um certo conservadorismo e do formalismo protocolar, que ainda regia aquela sociedade tão bem pensante! Lutavam para conseguir coisas que nós, no sul, alcançámos com menos esforço e mais naturalidade — até no relacionamento homens/mulheres e na escolha de profissões tradicionalmente masculinas. De facto, julgo que, ainda hoje, Portugal é dos países onde as mulheres estão mais presentes em todos os cursos universitários (com poucas exceções, como teologia…). Em Portugal, no ano seguinte, o Diretor Geral de Informação, Geraldes Cardoso, um homem do regime, amigo de Marcelo, que, embora fosse de direita, era o português mais pró-sueco que conheci, convidou-me a participar na organização de um curso semelhante, igualmente destinado a estudantes, investigadores, quadros, jornalistas, membros de organizações internacionais (não tive nada a ver com a seleção dos candidatos, que, aliás, eram de vários quadrantes políticos, não comunistas obviamente)… A única condição era a de que o curso não tivesse qualquer forma de mediatização. Aqui, ninguém foi entrevistado! Quem co-organizou o programa comigo e quem, ao meu lado, acompanhou todo o seu decurso, foi um muito jovem e eficientíssimo António Mega Ferreira. Formámos um par improvável, mesmo em tempos de primavera marcelista — uma feminista, social-democrata à sueca e um heterodoxo esquerdista. Os mais conservadores — um lote significativo — chamavam-lhe "le gauchiste de Mr le Directeur Générale" (O Diretor Geral Geraldes Cardoso antes de ascender na hierarquia do regime, tinha sido meu colega no Centro de Estudos do Ministério das Corporações — foi num reencontro casual que lhe falei do curso sueco e ele quis logo saber pormenores e avançar com uma versão portuguesa, que, em inglês, recebeu o nome de "Focus on Portugal" e, em francês, "Plein Feux sur le Portugal). Nos anos 80, na Secretaria de Estado, retomei esse paradigma de curso de verão, para dar a conhecer o país às segundas gerações de emigrantes. Pedimos o apoio das universidades e tivemos a maior recetividade. Primeiro, Évora e Vila Real (cujo Reitor era o maior fã destes cursos!), depois, várias outras, Algarve, Porto, já nem sei exatamente quais e quantas… Eu comparecia na sessão de abertura e, quando podia, passava o dia inteiro, a assistir a aulas e debates. Aprendi imenso e fiz amigos bem extraordinários, como Padre Fontes, com quem visitei Pitões das Júnias e assisti, em Montalegre, às tradicionais "chegas de bois" (só não fui nunca, infelizmente, aos festivais de bruxaria, que, anos mais tarde, o tornaram famoso). No regresso de Pitões, numa daquelas curvas de estradas estreitas, um carro fora de mão chocou com aquele em que seguíamos, um veículo tipo jeep, que ficou encalhado com as quatro rodas encostadas a um monte! Ninguém se feriu, mas todos tivemos de sair pelas janelas que estavam voltadas para cima… Retrospetivamente, boas recordações… Vivi, anos, na zona do Marquês de Pombal, na rua Latino Coelho, perto do Colégio da Paz (onde, depois de deixarmos o internato do Sardão, a minha irmã fazia o liceu e onde eu andei apenas 3 dias, no início do 7º ano — caí em depressão, e voltei, rápida e alegremente, para o Rainha Santa, e para as caminhadas quotidianas de mais de meia hora, porque não havia transportes diretos) . Era aí que queria comprar um apartamento, mas não gostei dos que vi e comecei a sentir-me cansada de tanto procurar… 4 de maio de 2018 Andei na festa ontem, é claro, primeiro na Casa do Porto de Espinho, depois no hotel Solverde. Antes do hotel "pegar fogo", ainda cantei e saltei em uníssono com os campeões. Seguidamente, fiquei até às duas a vê-los mais de perto, no ecrã de TV. Gosto imenso do Sérgio Conceição. É um herói/anti-herói. Parece sempre destinado ao desastre, ao pior, por mais que mereça o melhor. Vive permanentemente como um injustiçado, que nunca se dá por vencido. De vez em quando, perde a cabeça, o que nem admira, dadas as circunstâncias que o perseguem. Não tem o ar de "golden boy" de André Villas Boas — o outro genuíno portista — na, hora da vitória, não consegue sequer esboçar um sorriso, chora a pensar nos pais, que já morreram. O Sérgio, como o próprio Futebol Clube do Porto, face aos potentados instalados em Lisboa, foi sempre o "underdog". Talvez, por isso, os adeptos se identifiquem tanto com ele, mesmo quando cai em alguns erros ditados pela impulsividade. Tem mau feitio e bom coração. Foi sempre um bom rapaz, mal comportado… Acho que ainda é… Como jogador era genial, brilhou em vários países, e, sobretudo, em Itália, mas no capítulo do reconhecimento, eu diria que teve imenso mas não o devido. Uma espécie de Bartolomeu Dias, não dos mares, mas dos estádios… Por sinal, ele até lançou um slogan "marítimo", falando muito do "mar azul"… De qualquer forma, é uma vitória do "futebol-desporto" sobre o "futebol-negócio", porque foi a primeira vez que o Porto ganhou sem despejar dinheiro sobre a equipa. A gestão do clube foi de tal forma ruinosa, nos últimos anos, que ficou sob intervenção da UEFA e não tinha um euro para investir em contratações. foi também por isso que teve de apostar em Sérgio Conceição, que não era a primeira escolha do "mago" Pinto da Costa… A primeira estava destinada a falhar como todas as dos anos recentes… Não foi da parte dele coragem, mas necessidade. Coragem teve o Sérgio ao aceitar aquilo de que os outros fugiram a sete pés… É que o plantel era, aparentemente, uma desgraça. Ele soube adaptar as táticas às disponibilidades (ou as disponibilidades às táticas). E um homem motivado vale o dobro… ou o triplo. Com ele, até os jogadores falhados, classificados como irremediavelmente toscos (caso do agora famoso "Marega") se tornaram estrelas". Do zero ao infinito… E agora, como o meu menisco não me permite ir para o meu lugar cativo no estádio (que fica na bancada central, logo abaixo do setor da imprensa, com muitas escadas para subir e descer… tendo, por isso, emprestado o cartão a uma prima e afilhada, tão louca pelo Futebol Clube do Porto como eu), vou ver o jogo na Casa do Porto de Espinho, que funciona, como bancada suplente do Dragão, com semelhante calor humano e emoção. 6 de maio de 2018 Muito obrigada pelo "Vivó Puarto"! No sotaque mais tradicional até pode ser "Bibó Puarto"… O que me faz lembrar um episódio passado com Mário Soares (estou sempre a lembrar-me dele, mas a verdade é que é figura central da maioria das memórias divertidas da minha passagem pelas margens da política). No que respeita a futebol, detestava o jogo e conotava-o com o velho regime — quem gosta não faz essa identificação. Eu, por exemplo, com a ditadura só conoto o Benfica. Para mim, é o "clube do regime". Clube imperial, arrogante, megalómano, símbolo do poder, que não do desporto… Voltando à história do Dr. Soares: ele não apreciava o espetáculo nos relvados, mas respeitava a instituição e não faltava às comemorações dos títulos, que o Futebol Clube do Porto, em democracia, passou a ganhar com regularidade. Encontrei-o, várias vezes, naturalmente, no pavilhão das Antas, mas num ano, não sei porquê, houve, também, celebrações a sul, no casino do Estoril. E lá estava o Presidente Soares e eu ao seu lado, em representação da Assembleia. O programa foi absolutamente atípico — não houve discursos, nada… apenas o jantar, acompanhado por um "show", sem sombra de graça, e, ainda por cima, repetitivo, pois os diálogos e as canções eram-nos apresentados em português e, depois, em inglês… Tenho uma vaga ideia que envolvia piratas! O Dr. Soares suportava a ordália de olhos fechados, como que a dormitar, quando as luzes se apagavam, e "acordava", logo que ouvia o som das palmas de circunstância. Até que, do fundo da sala, alguém solta um grito que encheu a sala: "Biba o Puarto, c-----!". O Dr Soares abriu os olhos, voltou-se para mim e disse: "Até que enfim, alguma coisa de genuíno!". A Dr.ª Maria Barroso ainda me parecia mais radicalmente anti-futebol. Custava-lhe muito ver o sobrinho Eduardo Barroso a fazer comentário desportivo, alardeando o seu clubismo (sportinguista) na TV. Não aceitava como coisa normal o facto de ele ser muito mais conhecido no país inteiro pelos seus excessos nesses programas ligeiros, em tom de comédia, do que pela sua classe como cirurgião (pioneiro dos transplantes, em Lisboa, como o Mário foi no Porto). O Alfredo Barroso também é um mestre neste domínio e adepto do mesmo clube, embora muito mais comedido no discurso. O tio, pelo contrário, fazia gala da sua ignorância na matéria. Segundo me contou Pinto da Costa, numa das partidas a que assistia no camarote presidencial, quando as equipas entravam em campo, perguntou candidamente: "Quantos são de cada lado?". Eu nunca pertenci ao "plantel" daqueles programas semanais de grande audiência (que vejo, regularmente), mas estive muitas vezes em programas esporadicamente dedicados ao futebol, em entrevistas do "Expresso da meia noite", da Maria Elisa (que, na altura estava no topo dos rankings de audiências), do Jorge Gabriel, do Malato… E, durante mais de um ano, participei num programa semanal, de 2.ª a 6.ª feira, na Rádio Comercial, com o título "Os cinco violinos". Cada um dos comentadores (cinco, é claro) tinha um dia da semana para ler o seu apontamento de cerca de dois minutos — pelo telefone. Como eu viajava constantemente, nessa época, falei de destinos tão longínquos como Hong-Kong, Buenos Aires, Los Angeles, Tóquio… ou de uma qualquer cidade da Europa, sem falhar uma única vez… Foi obra!. Tudo isto te deve parecer bizarro… Se no futebol não partilhámos gostos, já no hóquei em patins estamos e estivemos bem sintonizados, desde crianças. Também seguia, pela rádio, os relatos da seleção. Pelos clubes, o entusiasmo era incomparavelmente menor, pelo menos aqui no norte, porque os campeões eram lá de baixo (Paço de Arcos, por exemplo…). Um dia, quando a seleção estava em estágio, escrevi aos jogadores, a pedir autógrafos e eles responderam-me, de imediato. Guardei sempre a carta como um tesouro, que, agora, tenho de procurar. No colégio do Sardão tínhamos tudo em matéria de infra estruturas desportivas — parecia um colégio inglês! "Court" de ténis, ginásio polivalente, equipadíssimo, embora pouco utilizado), mesas de ping-pong, campos de volei, andebol e basquetebol, pistas para bicicletas e até um ringue de patinagem. Só faltava a piscina. Lugar escolhido já havia, muito bonito, rodeado de uma pérgola, mas a obra não avançou por questões atinentes aos bons costumes… Entre as freiras, a ala conservadora e a progressista nunca se entenderam quanto ao traje: fato de banho normal ou um modelo especial, com saia até ao joelho (como era obrigatório na ginástica e nos desportos de campo). Eu detestava o ritmo de vida do internato, os dormitórios, os duches de madrugada, a missa matutina, as marchas de braços atrás das costas pelos longos corredores, a disciplina, o confinamento (embora numa grande casa rodeada de uma grande quinta, que terá pertencido a Almeida Garrett). Um verdadeiro aquartelamento militar! Mas adorava o desporto que, contando os tempos de recreio, me ocupava várias horas por dia. Horas felizes! Nem sei se era particularmente dotada, ou não. Penso que não, mas compensava com velocidade e entusiasmo, levando tudo (e todas) pela frente. Temível… No futebol, eu própria me achava do género do Seninho, um célebre extremo do Futebol Clube do Porto, que batia todos na corrida, mas, de vez em quando, saía pela linha de cabeceira, com a bola… O Seninho acabou bem a carreira, do Porto saiu com um contrato milionário para a América, que, então, dava os primeiros passos no "soccer". Ainda hoje o "soccer" lá não é muito popular. Para a cultura americana, falta o condimento da violência. É visto como jogo para mulheres. Nunca vi, em campo, o selvático futebol americano, mas fui a alguns jogos de hóquei sobre o gelo, que não é muito mais civilizado. A última vez foi em Toronto e, por sinal, como a equipa mais dura estava a ganhar, o espetáculo decorria mansamente. Para compensar essa sensaboria, os grandes ecrãs, suspensos do teto, transmitiam imagens terrivelmente agressivas de jogos anteriores, para "animar a malta". Fiquei estarrecida… O futebol feminino, que só conheço pela TV, é muito bonito, menos faltoso e cada vez mais tecnicista. EUA e Canadá apresentam excelentes seleções, a par da China, da Alemanha, da Suécia, do Brasil… Nós estamos estamos longe do topo, mas temos evoluído imenso. Todavia, as Doroteias do Sardão, nos anos 1950, tinham colocado o futebol no "index". Proibição e penas pesadas para chutos na bola. Nada que me dissuadisse de organizar partidas clandestinas. Em geral, começávamos pelo legalíssimo andebol, que passava a futebol, logo que víamos a vigilante absorvida nas suas pias e evangélicas leituras. Um dia, porém, numa pausa da leitura, houve uma que percebeu a diferença entre as duas modalidades… Presumiu — e bem — que a responsável pelo desacato era eu e denunciou-me. Fui, de imediato, levada ao gabinete da Madre Superiora, em estado de grande preocupação com a sentença que me esperava. Os castigos rotineiros pouco me ralavam. O mais comum era escrever qualquer coisa edificante, umas 500 vezes. Neste caso, poderia ser: "As meninas bem comportadas não jogam futebol". Ou, em alternativa, ficar isolada nas pequenas celas onde recebíamos lições de piano. Durante duas ou três horas era coisa muito agradável, desde que levasse um livro comigo (uma vez deixei-me lá ficar pela noite dentro e as freirinhas andaram angustiadamente à minha procura e, quando deram comigo, esquecida no quartinho do piano, pediram-me desculpa, em lágrimas, e, de seguida, deram-me um jantar melhorado. Na verdade, a porta estava aberta, eu podia ter saído, mas sentia-me bem… Porém, castigo para delitos mais graves era assunto sério: proibição de saída no fim de semana, a bomba atómica dos castigos… Isso raramente acontecia, porque, na verdade, atingia a família inteira, mas era o que eu antecipava no trajeto de ida ao encontro da Superiora. Ela recebeu-me, com um inesperado sorriso e disse-me palavras ainda mais inesperadas. Em síntese, isto: "Manuela, o futebol não é um desporto próprio para meninas. Não podes organizar jogos com as tuas colegas, Nunca mais! Mas eu compreendo a tua paixão pelo futebol e por isso, para ti, vou abrir uma exceção. Tu tens a minha autorização para jogar — as outras não!". As freiras também podem ser pessoas sensíveis e com sentido de humor… Para mim, foi um momento de grande felicidade, porque assim ficavam garantidas as minhas 48 horas de liberdade e uma provável excursão dominical ao estádio das Antas. Claro que continuei a programar os torneios de futebol, em que era a maior goleadora, e nunca mais fui apanhada em flagrante delito. Pertenci sempre às "seleções" do colégio, nos desportos permitidos, o que não queria dizer muito. Apesar de termos um excelente treinador (Edgar Tamegão, campeão em não sei quantos desportos), a matéria prima era tão fraca, que nunca fomos longe. Fico nervosa quando pressinto risco de fracasso nas minhas equipas e, cada vez mais, evito enervar-me… Noutros tempos, aguentava firma na bancada. Tenho há muitos, muitos anos, o meu lugar anual na bancada central do Dragão, mas, nos jogos mais emocionantes, cedo o meu cartão a uma afilhada, bisneta da Tia Carolina, a Teresa, que é tão "fanática" como eu, tem menos cinquenta anos e nervos de aço! No lugar ao lado, senta-se o irmão, António, a quem eu ofereço o lugar anual como presente de anos. É o meu companheiro habitual no Dragão, como, nos meus tempos de juventude, eram os seu bisavô Serafim e o seu avô António. Não falhávamos um único jogo nas Antas!. Em criança era com o meu pai que ia ao estádio e foi ao seu lado que festejei o "meu" 1.º título do Futebol Clube do Porto, em 1956 (foram 13 anos sem conhecer a euforia da vitória!). O treinador era um brasileiro, de Minas Gerais, de ascendência alemã, Yustrich, o nosso ídolo. Um vanguardista, no que respeita a treino, estágios, concentração na véspera dos jogos — na altura. o "jamais vu"… As vedetas de então ensaiaram uma variante da "revolta na Bounty". Foram todos borda fora, e, mesmo assim, ele conseguiu fazer uma equipa fantástica. Todavia, como afrontou não só a rapaziada, como os diretores, o Dr. Cesário Bonito e companhia, acabou despedido. O povo azul e branco, a que pertenço, ficou do lado de Yustrich, então e para sempre! Muitos portistas, entre eles o meu pai, ano auge da indignação, rasgaram o cartão de sócio. No ano seguinte, o Futebol Clube do Porto voltou à rota descendente, e, até 1974, poucas alegrias nos deu. Como disse, tudo mudaria com a revolução, e com Pinto da Costa. No futebol, conseguiu-se a verdadeira regionalização, que 44 anos depois, a meu ver, ainda falta fazer na política. No retângulo continental, é claro… Todo o norte tem menos poder do que tinha a Madeira com Alberto João Jardim. Creio que Portugal é o país mais centralizado do nosso continente, uma espécie de México da Europa… E, por hoje, basta de futebol! Prometo não voltar ao tema. 12 de maio de 2018 Nas doenças, eu acredito que a parte psicológica é de capital importância. Eu, infelizmente, pertence ao grupo que reage mal. Para além de hipocondríaca, como os Presidentes Sampaio e Marcelo, entro em depressão com qualquer maleita… Com Marcelo nunca tive diálogos que dessem aso a confidências assim tão informais, mas ele tem espalhado o facto aos quatro ventos… Já com o Dr. Sampaio, sim, várias vezes a assunto veio a propósito, na conversa. Suponho que o meu caso é mais sério do que o deles. Andei anos convencida que sofria de um variante de "colesteatoma", problema de ouvidos que obriga a operações complicadíssimas. Esse foi o diagnóstico que um otorrino pronunciou, em Coimbra, quando eu sofria de uma vulgar otite. Levei anos a consultar especialistas, mal sentia uma dor de ouvidos. Até que, em Paris, utilizei, no fim do ano académico, o meu seguro de saúde, que estava intacto, para ouvir a opinião de um muito famoso especialista. Caríssimo — gastei o valor do seguro quase totalmente, mas valeu a pena. O próprio consultório era uma nova experiência. Nunca tinha visto, nem voltei a ver, nada de tão luxuoso. Sentia-me no Palácio do Eliseu! A aparência do doutor era menos ostentatória. Muito simpático, deve ter achado graça à minha hipocondria, fez-me um exame de audição completo e deu-me uma explicação bem detalhada, à dimensão das minhas manias. Afinal o que eu tenho é uma conformação nórdica do canal auditivo, como é comum em quem se banha em águas muito frias (Espinho qualifica, com temperaturas do mar, em pleno verão, possivelmente inferiores à do Báltico). Exemplificou este processo de causa e efeito com o caso dos pescadores de pérolas japoneses, que acabam surdos, porque os ossos se contraem a ponto de fechar o canal auditivo. Ao ver o meu ar de alarme, já a identificar-me com os mergulhadores de águas gélidas, garantiu-me que uma vida inteira de mergulhos na costa portuguesa nunca conduziria a tal extremo. Podia dar muito outros exemplos, mas vou-te poupar a isso. Ao longo da vida, gozei, em regra, de muito boa saúde. Em mais de 40 anos de trabalho, não tive um só dia de baixa por doença, apesar de um "acidente de trabalho", num carro do Estado, em que por pouco não morri, e fraturei várias costelas. O acidente foi a uma 6.ª feira; passei o fim de semana no hospital e, contra o parecer dos médicos, na 3.ª feira estava, a pé firme, na Assembleia. O Mário disse-me que qualquer pessoa naquele estado ficava de baixa dois meses… Foi a única situação em que poderia ter faltado. Dois anos após a reforma, um descolamento de retina obrigou-me a umas semanas de repouso absoluto, mas já era tarde para estragar o meu impecável recorde de assiduidade, quando no ativo. Agora vou andando bem, à condição de ninguém me vir contar, com muito detalhe, os seus "achaques", pois logo começo a sentir todos os sintomas de doença, tal como descritos pelo narrador. Eu fiz um teste ADN numa rede americana, mas não me merece grande credibilidade — as respostas são sempre muito vagas. Gostaria de saber mais. Tendo apelidos como "Pinto" e "Pereira" em vários ramos da família, sempre considerei que devia ter ascendência judia, sem quaisquer prova concreta, antes pelo contrário, pois o teste americano não a detetou. Eu detesto Nathaniau, o "alter ego" de Trump, embora sempre tivesse tido um relacionamento muito especial com sucessivos embaixadores Israelitas, sobretudo Gad Ranon (que me convidou a visitar o país) e Colette Avital, que no final dos anos 1980 era a maior estrela da vida diplomática em Lisboa (socialista, amiga de Shimon Peres — chegou a ser deputada e candidata à presidência de Israel, mas, lamentavelmente, não venceu). Foi já no tempo dela que se concretizou a minha "missão" a Israel. Em princípio, deveria ter ido com Jorge Sampaio (judeu, pela linha, que conta, a materna), houve, porém, uma necessidade de adiar, por parte dele, pelo que fiz a viagem sozinha. Foi fantástica, uma das melhores no conjunto de tantas! O Mar Morto, a fortaleza de Massada, a Galileia (onde vi, bem conservado, um barco do tempo de Cristo), Belém, Jerusalém… Para uma católica (mesmo que cheia de dúvidas sobre a vida eterna) é tudo muito mais emotivo do que o frio Vaticano, com a sua pompa, tão anti-cristã. Por sinal, estive em Jerusalém num domingo de Páscoa — para eles, um dia como outro qualquer — visitei os lugares santos, mas num completo "descontexto". Imagina que, por razões de segurança, fui obrigada a caminhar, por ruinhas estreitas com uma escolta de soldados de metralhadora. Um horror, um susto!. Sentia-me positivamente um alvo a abater! Sem aquele aparato, confortavelmente anónima, teria andado feliz, por todo o lado, e teria assistido à missa… Eles nisso foram inflexíveis, não me deixaram opção. Sempre que pude escolher, prescindi de segurança (acho que só no Brasil o consegui — assinei um termo de responsabilidade, eles foram em paz e eu em paz fiquei. Era no nordeste, eles trajavam à civil, com mau aspeto, roupa enxovalhada. Por um lado, era bom, não chamavam a atenção, mas assustavam-me mais do que hipotéticos assaltantes de rua. Na Grécia, eram igualmente discretos, e muito mais elegantes — embora olhando de perto se visse que usavam armas, talvez com licença para matar. Dois homens e uma mulher. Muito delicados, mediterranicamente sociáveis. Eu levava comigo apenas uma assessora, jovem e timorata, e os 3 seguranças acompanharam-nos sempre, incluindo num passeio que fomos dar pelas ruas estreitas do bairro antigo (Plaka). Não sei como, no meu passo rápido, cruzei uma série de ruelas e, quando parei numa loja e olhei para trás, percebi que, involuntariamente, tinha despistado os nossos zelosos seguidores! Fiquei preocupadíssima, porque podiam ser penalizados, se regressássemos ao hotel sem eles. Corri, de um lado para o outro, à procura e, com um pouco de sorte, encontrei-os, não de imediato, mas ao fim de algum tempo. Um reencontro muito festejado por todos! À noite, no hotel (já não me lembro do nome, sei que é próximo do parlamento e é onde ficam sempre as comitivas oficiais) a assessora, que estava numa suite ligada à minha, veio perguntar-me se queria que fosse dependurar no exterior das portas o pedido de pequeno-almoço. Eu agradeci, fiz a minha seleção, entreguei-lha. Ela foi e voltou, quase de imediato, lívida e trémula, com os papeis na mão, a dizer-me: "Está. lá fora, no corredor, um soldado de metralhadora apontada à minha porta". Fiz a minha leitura da situação e logo a tranquilizei: "Não se preocupe. É a nossa proteção!". Creio que ela, de qualquer modo, acabou por encomendar os pequenos-almoços pelo telefone… Esta paranoia securitária não é habitual na Grécia, onde fui muitas vezes, em funções oficiais, com inteira liberdade de movimentos. Foi caso único — uma estada muito curta, para conversações com a Ministra da Cultura, responsável pelas migrações gregas, a antiga atriz Melina Mercouri. Ia a caminho da Turquia. Aquela região do mundo estava agitada, não por causa da minha pacata conferência em Izmir, mas de uma cimeira NATO em Istambul (em que Mota Pinto esteve presente, como Ministro da Defesa). Na Turquia o regime musculado não permitia ensaios de contestação, pelo que o ambiente era de normalidade, em contraste com o da democracia ateniense, que nos ofereceu o espetáculo de grandiosas manifestações e paradas anti-NATO, nem todas pacíficas. Compreensível o nervosismo das autoridades gregas. Outro dos países em que não pude prescindir de segurança foi na África do Sul, na minha primeira visita, ainda no tempo do "apartheid". Por sinal, escolheram bem, uma dupla impecável, um oficial "boer", rapaz bonito e bem falante, e uma sargento (ou sargenta?), de origem portuguesa, muito comunicativa. Fizemos amizade em longas conversas, acompanharam-nos, não só em Joanesburgo e Pretória, mas no trajeto de ida e volta até à fronteira da Suazilândia. O cônsul Teixeira da Mota e eu sempre os convidámos para almoçarem e jantarem na nossa mesa. Tentámos até que fossem connosco, em pausa de trabalho, a M'Babane e Manzini, mas não conseguimos que os autorizassem a atravessar a fronteira. Tiveram de dormir do lado sul-africano. Eram, pois, boa companhia. Não obstante, a minha secretária e amiga (prima do Rui Machete e hoje embaixatriz) e eu, queríamos fazer compras, em Joanesburgo, à vontade, pela manhã. Combinámos com eles, a saída para as 10.00 e, às 9.00, escapámos dos quartos para o Shopping, por um elevador direto, sem parar na receção (o Hotel era excelente, um arranha-céus situado no centro de Joanesburgo, com um bom centro comercial nos andares de baixo). A primeira coisa que o tenente nos disse, às 10.00 horas, foi que não tínhamos corrido qualquer risco nessa manhã, porque o hotel providenciara um discreto acompanhamento pelo seu pessoal!!! Aparentemente não julgou que tínhamos tentado fugir à proteção. E nós percebemos que estávamos sob constante e severa vigilância. Tivemos que nos resignar! Noutros países, como o Brasil e outros da América do sul, são os próprios portugueses a não quererem deixar-nos um minuto sozinhos… No Rio e em S. Paulo fazem a sesta, depois do almoço não há programação. Depositavam-me no hotel, com muitas recomendações para que não saísse, porque era muito perigoso. Mal o carro deles desaparecia da vista, eu corria para a rua e passeava horas no centro do S. Paulo ou em Copacabana… O mesmo aconteceu em Harare, onde o embaixador adotou o mesmo horário, com a mesma advertência, aí com um acento rácico — era perigosíssimo, para brancos, deambular pela cidade. Eu, que vinha de Joanesburgo perguntei: "Matam?" Espanto do Embaixador, resposta negativa. Não matavam, mas roubavam. Achei coisa pouca, não me importava de ser roubada. Deixei o passaporte no quarto e voltei à senda da desobediência imediata. Ele a sair de carro, eu a sair a pé, do Hotel Monomotapa, que fica em pleno centro da antiga Salisbúria — ainda conheci uma Salisbúria multicultural e multiétnica, pouco depois da independência da Rodésia… De facto, quanto à ausência de caucasianos, tinha o diplomata razão. De qualquer modo, comigo foram muito gentis. Comprei artesanato, "t-shirts", bananas para comer "in loco"… A minha única arma é vestir com simplicidade, não mostrar curiosidade excessiva e, muito menos, máquinas fotográficas, não perguntar direções a ninguém, como se conhecesse bem o terreno que piso. A minha experiência diz-me que resulta. Em S. Petersburgo, tinha um ar tão local, que duas ou três mulheres me vieram perguntar onde ficava a rua X… Havias de ver a cara de admiração quando lhes respondia em inglês "Sorry, I can't speak Russian". Só em dois países acreditei em risco real e me mantive, quieta, a ver TV ou a ler, dentro das "muralhas" dos hotéis — a Venezuela e a área de Joanesburgo, na África do sul… Confesso que foram tempos bem agradáveis, quando olhados retrospetivamente. Contudo, não os queria viver de novo, se pudesse voltar atrás. Exatamente o mesmo que penso do meu "quartel" de irmãs Doroteias. Fiquei adepta da escola pública e de outros campos de ação, que não a política, tal como me caiu em sorte. 16 de maio de 2018 É um dos países [Portugal] â face da terra, onde menos se sabe tirar proveito da sabedoria dos mais velhos! E há uma razão para isso, o "preconceito de idade", fortíssimo (um dos diletos apoiantes de Passos Coelho falava dos seniores com "a peste grisalha"). O reverso da medalha é a glorificação da juventude e dos jovens, como capazes de progresso e perfeição, para tal bastando a pouca idade. Não basta! O excessivo "rejuvenescimento" das chefias da Administração Pública, da Justiça, ou da chamada "classe política" é, a meu ver, a principal causa de muitas das nossas desgraças. Não sei se por deformação profissional, como jurista, o que mais me choca, neste panorama, é o estado comatoso em que jaz a nossa magistratura — a falta de competência profissional, a falta de qualidade humana, o tolo exibicionismo, a insensatez, a lentidão, a insegurança (constatação tremenda, pois a segurança é um dos pilares do Direito). No velho regime, com exceção dos tribunais políticos, que não eram verdadeiros tribunais, os Juízes gozavam do maior prestígio, de uma merecida excelente reputação. Para isso contribuía, decisivamente, o facto de os jovens licenciados terem de começar a carreira pelo Ministério Público (como, digamos, advogados de acusação), só ao fim de dez anos podendo ascender à magistratura judicial. Ou seja, não se detinha o poder de julgar, antes dos 32 ou 33 anos e de uma larga experiência adquirida. Agora passam praticamente dos bancos da Faculdade para o exercício de funções para as quais não têm vivência. Aplicar o Direito a situações concretas exige maturidade, conhecimento das pessoas e das dificuldades da vida, tanto quanto conhecimento.das leis… (alguns não sabem nem de uma coisa nem da outra!). Um susto! Quando acabei o meu curso, em 1965, a carreira do Ministério Público, assim como a diplomacia e a Magistratura, eram vedadas às mulheres! Se não o fossem, eu teria muito provavelmente ingressado na carreira judicial, embora a advocacia tivesse sido o que me atraiu para o curso de Direito (acabei como assistente, num Centro de Estudos…). Fiz o estágio de advocacia, depois, estive inscrita na Ordem durante cinco anos, mas já dando toda a prioridade ao meu trabalho no Ministério. Só voltei a entrar no Tribunal, mais de 40 anos depois, para ser testemunha abonatória de um amigo Embaixador. Fiquei espantada, ao ver-me num mundo totalmente feminino — a juíza, a delegada do Ministério Público, a advogada de defesa… O único homem era o oficial menor, que vinha à porta da sala chamar as testemunhas. Nem sempre isto acontece, mas estatisticamente, as mulheres já predominam. Não creio que se lhes deva assacar, em primeira linha, declínio da carreira — até porque as instâncias superiores ainda estão em mãos masculinas… Em qualquer caso, o desequilíbrio de género não é um factor positivo. A entrada em massa das mulheres numa profissão masculina tem redundado, sistematicamente, na sua desvalorização, em sociedades em que o machismo resiste e persiste. (Sou uma prosélita da cooperação dos contrários, do equilíbrio, não só etário, mas, igualmente, de género, de grupos étnicos, de experiências de vida!). Falei da magistratura, mas na política, o cenário não é muito melhor. De notar que, neste campo, as mulheres não podem ser sequer suspeitas de grande contributo para a degradação a que se assiste, pois, para além de serem uma minoria, estão quase ausentes dos centros de poder real — são figuras de segundo plano, no governo, no parlamento, a nível local. Há, pontualmente, algumas exceções, que confirmam a regra. E algumas dessas exceções não brilham a grande altura… Lembro-me da triste figura da anterior Ministra da Administração Interna ou da única Presidente da Assembleia, que fazia discursos verdadeiramente exóticos. Na política, a degradação tem pouco a ver com as questões de género e tudo a ver com as de geração… É impressionante comparar a nossa situação com a de outros países da Europa (esqueçamos Macron, que é caso excecional), e, sobretudo, com a América do Norte. Já vinte anos atrás, o meu amigo Falcão e Cunha, depois de tomar posse como Ministro do Trabalho do último governo de Cavaco me dizia: "Neste governo eu sou o 2.º mais velho, se estivesse no governo dos EUA era o 3.º mais novo!". Recordo-me da frase, e do ano, 1991, mas não do tal executivo americano. De qualquer modo, ainda hoje a situação não será muito diferente. Quando Hillary Clinton tomou posse como Secretary of State as suas primeiras nomeações foram dois embaixadores especiais para o Médio Oriente — ambos com mais de oitenta anos. A vida é para ser vivida em todas as idades… Já pensava assim, antes de entrar na 3.ª idade e não mudei de opinião. Uma das razões por que apoiei o Dr. Soares na sua última eleição teve a ver com o facto de achar que ele era muito melhor do que Cavaco. A outra teve a ver com a certeza de que estava destinado a perder essa corrida, e apenas porque era demasiado velho para os padrões portugueses. Na noite eleitoral fui propositadamente a Lisboa para lhe dar um abraço (caso tivesse ganho, não faria os 300 km, porque não faltaria gente a festejar à sua volta). Tanto ele como a Drª Maria Barroso estavam muito chocados, o que me fez muita pena. Creio que o pior de tudo foi ter ficado atrás de Manuel Alegre, o que foi terrível… Bem melhor, pelo menos aparentemente, reagiu Freitas do Amaral, quando viu confirmada a derrota. O ambiente era fúnebre — as únicas pessoas que procuraram desanuviar éramos ele e eu, Na altura, esteve do seu lado, porque trabalhei com ele no dia a dia, no MNE, e foi uma relação de trabalho perfeita; 1980 foi o ano mais feliz da minha vida, até ao dia da morte de Sá Carneiro… Para mim, são muito mais difíceis de suportar, emocionalmente, as derrotas do Futebol Clube do Porto do que as da política, incluindo as minhas, que não foram muitas. Representava círculos onde a eleição estava assegurada e nunca perdi o 1.º lugar, mas houve um ano em que o PSD perdeu um deputado — e tudo por efeito de uma campanha populista do PS que prometeu pensões para carenciados, que não passavam de subsídios pequenos dados a uma ínfima maioria. Resultou em cheio em países onde há imigrantes italianos e espanhóis, que gozam de pensões a sério, como o Brasil, a Venezuela ou a Argentina. Depois, a mentira fez "boomerang", nunca mais aí tiveram uma boa votação. Em todo o caso, como diria o presidente do Sporting, "foi chato"… O que se passa no Sporting Clube de Portugal é desolador. No final da Taça, confesso que "torci" por eles, pelos jogadores e pelo treinador — de quem não sou fã, mas que se portou com grande dignidade. Amanhã, tenho de ir a Lisboa, à Assembleia. Não consegui dizer "não" ao convite da Universidade Sénior de Espinho, cujo grupo coral vai atuar para os deputados. Não pertenço à instituição, mas sou uma adepta confessa. Julgo que em nenhum país do mundo este tipo de associativismo funciona melhor. É extraordinária a forma como se espalharam por todo o território, até em aldeias do Portugal profundo, e como desempenham o papel de animação cultural de uma faixa etária tão abandonada. A nível do Estado, só se fala dela para contabilizar despesas médicas por doença ou internamento hospitalar — a tal peste grisalha… As Universidades Seniores que conheço (através de convites para palestras ou debates), pelo contrário, são esplêndidas tertúlias de idosos, onde eles são felizes e rejuvenescem. 22 de maio de 2018 Sobre a campanha de Soares, confesso que não me lembro bem da cronologia. O Manuel Alegre tinha já anunciado a intenção de se candidatar, mas o partido não mostrava especial entusiasmo em o apoiar e, por isso, terão procurado alternativa. Convenceram o Dr. Soares a lançar-se na aventura e ele, contra a vontade da família, avançou. A meu ver, Sócrates agiu com grande duplicidade e não se bateu pelo seu candidato. Alegre, que, desde o 25 de abril, viveu, exclusivamente, de cargos políticos, até à reforma, justamente ancorada nesses cargos. apresentou-se como o homem de fora do sistema, por contraste com Soares, aposta "oficial" do PS. Isso deu-lhe votos de variados quadrantes, incluindo do PSD anti-cavaquista. Recordo um animado encontro na Assembleia de Rapública com vários correlegionários, santanistas e outros, que me cofidenciavam: "Vamos todos votar contra Cavaco, mas não votámos no mesmo candidato!". Diziam as más línguas que na outra parte do PSD se encontravam alguns dos principais financiadores da campanha de Alegre — e, em boa verdade, Cavaco foi o direto beneficiário da cisão do PS. Eu sabia que o Dr. Soares não tinha qualquer hipótese, mas achava que, com os seus lúcidos 80 anos, seria um muito melhor presidente do que Cavaco ou Alegre. E, por isso, votei com gosto! Muito diferente teria sido a intervenção europeia em Portugal, se ele tivesse voltado a Belém. Claro que não faria o segundo mandato, mas teria resistido ao radicalismo de Passos no período crucial. A Alegre, com todo o seu charme de poeta, e o seu talento oratório, faltava experiência como estadista (coisa que, verdade seja dita, faltava igualmente a Cavaco, mas no seu caso, por estupidez natural). Alegre é um parlamentar, não é um executivo. Fascinantes as suas intervenções nas assembleias magnas de estudantes em Coimbra. Incomparavelmente melhor do que qualquer outro! Aí, tinha o meu voto. Também tenho um problema de colesterol, para o qual tomo pílulas de arroz vermelho. Não diminui o mau, mas aumenta o bom colesterol… Há médicos que não acreditam nesta via alternativa, com a qual tenho resistido às receitas convencionais… 28 de maio de 2018 Bem preciso de ler textos interessantes, pois estes últimos dias têm sido maus — com o funeral do Durval Marques, que era um velho amigo, e que morreu depois de uma queda em casa (semelhante à de Maria Barroso) e o falecimento do filho de outro amigo, a quem nem posso dar um abraço, pois vive na Austrália. Esteve uns dias, com a mulher, no meu apartamento do Porto, recentemente. Ambos têm mais de 90 anos e o filho apenas 47. Imagino o choque! Eu, há anos, sofri uma séria intoxicação com um pastel de nata, da célebre pastelaria de Belém. Incrível, mas aconteceu. Estava com uma amiga, que também comeu um pastel da mesmíssima fornada e permaneceu perfeitamente saudável. Eu tive de ser assistida no British Hospital, por um médico casado com uma prima. Aliás, foi a segunda vez que me salvou de uma situação de risco (de desidratação). A primeira foi ainda pior, queria até que lá ficasse internada… E provocada (quem diria?) por um almoço no chiquérrimo restaurante do Tivoli de Lisboa. Era um dia de verão, muito quente. Nem sei o que me fez mal, se o marisco, se o doce. O meu anfitrião, que era um cônsul de Honolulu, teve sintomas muito mais ligeiros. Enfim, apenas dois episódios, "so far"… Tanta viagem pelo estrangeiro, por países de duvidosa sanidade alimentar, e só de Lisboa me posso queixar! Ana Gomes é uma Mulher com letra grande! Gosto muito do estilo dela. Conheço-a, mas de meia dúzia de conversas apenas, e do tempo em que exercia como diplomata. O mais extraordinário é ter tido sucesso na carreira, porque já era como é agora na política. Sui generis. De todos os que deixaram o MRPP e se instalaram em "partidos burgueses" é a única que se mantém verdadeiramente aguerrida e coerente com valores imateriais… A minha relação com Durão Barroso, por exemplo, foi sempre excelente, embora dele discordasse abundantemente, porque é divertido, tem sentido de humor. Já foi triste, cinzenta e apagada a sua passagem pela União Europeia, agora é dramático vê-lo rendido não só ao pior do capitalismo, à banca, mas ao que a banca tem de pior! Em todo o caso, compreendendo embora a atitude sancionatória desta baixa política, ainda não consegui deixar de votar. Pelo contrário, sou uma participante compulsiva… Nunca falhei uma oportunidade de me manifestar pelo voto. Para mim, é uma coisa lúdica — não só, mas também. E, nalguns casos, tive de fazer deslocações de 600 km, quando a morada oficial era em cidades onde nunca passava o fim de semana, como Coimbra (em 1975) ou Lisboa. Nas últimas legislativas e presidenciais, fui às urnas em Benfica! Agora voto no Porto, fazendo uma ida e volta bem mais curta e económica. E no PSD só me mantive com as quotas em dia, para dizer "não" a Passos Coelho, ou seja, à ala passista — o "tea-party" português. Deu-me muito gozo! Em Portugal as coisas não vão bem, mas é mal menor, quando comparado com Espanha, Itália, Brasil. E Trump, a ameaça maior… O mundo está a precisar de uma milagre. 1 de junho de 2018 Este início de junho, tem sido vertiginoso, entre obrigação de enviar pequenos textos para jornais, lançamento de livros, exposições de pinturas de amigos, e, sobretudo, um processo complicadíssimo de convocatória de uma assembleia geral da associação "Mulher Migrante". Um caso insólito, pelo menos na minha experiência de vida. A presidente não partilhava informação e, agora está muito doente, física e mentalmente, e ninguém tem dados precisos para cumprir rigorosamente o processo de convocatória. Só a empregada dela tem acesso às moradas, e não tenho conseguido que envie a correspondência às associadas. Ando nesta confusão há duas semanas — e logo eu, que detesto e me irrito com situações menos claras… Muito perigosa a excessiva identificação entre uma pessoa e uma instituição! Felizmente, nasci com tendência natural para descentralizar tanto quanto possível (sendo o limite a perceção da incompetência dos outros), e, por isso, nunca teria semelhante problema. Nos meus gabinetes, que variaram do muito bom ao menos bom, cheguei a ter de me substituir a alguns colaboradores… Um deles era um assessor de imprensa, excelente para contactos e para divulgar notícias, mas incapaz de redigir uma nota. Um erro parcial de "casting" — tomei-o por jornalista sénior da RDP, quando, afinal, embora sénior e influente, era uma espécie de "pivot". Lia as notícias escritas por outrem. No gabinete, passei a ser a sua redatora. Entrava no meu gabinete, com todo o "charme", balançando uma folha de papel na mão direita e dizendo; "precisamos urgentemente de fazer um comunicado". E eu fazia, a menos que tivesse uma discordância de fundo. Mas, em regra, era o contrário, podia deixar os "dossiers" técnicos ou burocráticos em boas mãos. 11 de junho de 2018

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