quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

CONGRESSISMO PARA A IGUALDADE O PARADIGMA DO LUSO PRESSE 1 – O papel das mulheres portuguesas na emigração ainda hoje é muito subvalorizado por simples desconhecimento da sua situação real, quer no que respeita a percursos profissionais e à geral aceitação na sociedade de acolhimento, quer na afirmação no interior das instituições das comunidades portuguesas. A caminhada no sentido da igualdade, nestes dois mundos paralelos, raramente se verifica a um mesmo ritmo. Em regra, tem sido mais fácil, nas sociedades de destino, mais democráticas, modernas e igualitárias do que num poderoso e dinâmico e patriótico associativismo, que, contudo, replica estruturas e mentalidades mais conservadores do país de origem. É assim, ainda hoje, e sempre assim foi. A história da emigração feminina está largamente por fazer, mas os estudos pioneiros da Prof Engrácia Leandro, na região de Paris, revelam a influência essencial das mulheres no êxito dos projetos migratórios e na sua reconversão do plano apenas material, para prioridades socioculturais, como educação dos filhos. Na emigração muitas das mulheres, vindas do setor rural, de trabalho duro, mas não remunerado, ganham, com o seu salário, independência económica, ajudam à poupança e à prosperidade do casal, e assumem um papel central na integração de toda família, pela melhor adaptação à língua, e à modernidade de mentalidades e costumes. Não menos importante é a sua presença, (e, com elas, a de famílias inteiras) na vida quotidianas das coletividades, que lhes dá um inovador cariz sócio- cultural, sem o qual seriam pouco mais do que meras réplicas de cafés de aldeia, onde os homens reúnem entre si. São autênticas construtoras das comunidades portuguesas, na medida em que estas se sedimentam na intensa vida associativa, em clubes e centros de convívio, em paróquias e em escolas – as comunidades enquanto unidades coesas e dinâmicas, capazes de preservar a língua, as tradições, os costumes e de se constituir em componente portuguesa de sociedades multiculturais. Apesar da importância que tiveram na criação deste espaço extraterritorial de vivência e cultura portuguesa, as mulheres foram sempre a “metade invisível, marginalizada da sua liderança – situação que dá. Hoje, sinais positivos de mudança. 2 – Esta situação é, em parte, a “pesada herança” de um longo passado de políticas discriminatórias. Portugal foi, durante mais de cinco séculos, uma potência colonial, e, em simultâneo, um país de emigração, que descurava a proteção dos cidadãos fora de fronteiras e se limitava a regular o êxodo migratório masculino, (com legislação e medidas restritivas, quando o considerava excessivo) e a proibir, como regra, o feminino. Emigração e colonização tiveram como protagonistas homens sós, e a prática generalizada da miscigenação. Uma opção singular no quadro peninsular e europeu, desde a época da Expansão, que o historiador Charles Boxer considerava o mais acabado exemplo de misoginia. Consequência dessa política foi o fenómeno recorrente e significativo das migrações clandestinas, ou, pelo menos, indesejadas. No que respeita às mulheres, com enorme e imparável aumento, a partir do início do século XX, de modo a assegurar-lhes, atualmente, um lugar de quase paridade nas estatísticas, embora ainda não na participação cívica e comunitária. 3 - A luta pela igualdade de género no país, com o “congressismo” feminista e republicano de começo de novecentos, não se estendeu à Diáspora, apesar de algumas das principais líderes feministas terem sido emigrantes temporárias. A sua intervenção, se existiu, não terá deixado marcas duradouras. No associativismo misto, as mulheres ficaram na sombra, relegadas aos bastidores, e no associativismo feminino, sempre minoritário, puseram, ao longo do século XX, o acento no domínio da beneficência e entreajuda social, não na intervenção cívica. O mesmo aconteceu no plano das políticas públicas, mesmo depois da revolução de 1974. A Constituição de 1976 incumbe ao Estado a “tarefa fundamental” de promover a igualdade de participação cívica e política entre os sexos, mas os Governos limitaram, de início, o cumprimento desses deveres ao território nacional. Foi por impulso da sociedade civil que a questão da igualdade entrou na agenda governamental, em 1985, com a convocatória de um 1º encontro mundial de mulheres emigradas (na sequência de uma recomendação do Conselho das Comunidades, apresentada pela jornalista de Toronto, Malice Ribeiro). Após uma interrupção de vinte anos, o plano foi retomado, com os “Encontros para a Cidadania” (2005/2009), presididos pela Dr.ª Maria Barroso. Uma parceria da SECP com a Associação Mulher Migrante e várias outras associações femininas ou presididas por mulheres, continuada entre 2011/2015, com dois congressos mundiais e numerosos colóquios e debates realizados em diversos continentes e comunidades. 4 – Nos últimos anos, neste domínio, a dinâmica, tem estado do lado da “sociedade civil” (como sempre esteve em todos os outros – só faltava este...). É preciso fazer a história deste percurso e dos seus precursores, para mobilizar novos participantes, agentes de mudança, num projeto de expansão e desenvolvimento das comunidades como um todo, pela cooperação e diálogo de género e geração. Neste movimento tem um lugar especial o Luso Presse, que há mais de duas décadas, através de conferências, colóquios, debates, vem dando visibilidade à obra realizada por mulheres migrantes, em todas as áreas, a fim de abrir horizontes a muitas outras. Com o seu paradigma de “congressismo” pela igualdade, que antecedeu, em alguns anos, as primeiras políticas públicas, centradas em estratégia, semelhante, o Luso Presse deu voz e fez justiça às portuguesas de Montreal, do Québec, do Canadá. Mas é (ainda) preciso ser mais do que exemplo de escola, ser exemplo vivo. É sobre isso que nos propomos dialogar. 2024, o ano do centenário de Maria Barroso, parece ser tempo propício a relançar a caminhada

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